SÃO PAULO E BRASÍLIA – O Congresso Nacional virou palco de conflitos diários entre parlamentares, que têm transformado a guerra entre Israel e Hamas, que já deixou mais de 4 mil mortos, em uma disputa de narrativas baseada na polarização entre direita e esquerda. Entre os dias 10 e 18 de outubro, foram 1.878 menções a temas relativos ao conflito no plenário da Câmara e 758 no do Senado, espaços onde parlamentares possuem tempo para discursar sobre as principais questões do trabalho deles.
Na Câmara, o Estado de Israel foi o mais citado – foram 596 referências ao longo de duas semanas. As discussões não ficam restritas aos plenários. Nesta quarta-feira, 18, o bate-boca teve como protagonistas os deputados gaúchos Fernanda Melchionna (PSOL) e Marcel van Hattem (Novo). A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional votou três requerimentos de convocação do ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e do assessor da Presidência Celso Amorim, para falar, entre outros assuntos, sobre como o Brasil está classificando o Hamas e quais providências tem adotado em relação à guerra no Oriente Médio.
Van Hattem criticou Melchionna, acusando-a de “defender estupradores” e de ficar ao lado do Hamas, concordando com os seus crimes. A deputada rebateu o colega da Casa, dizendo que ele estava “fazendo fake news”. Ela interrompeu a ordem de fala para pedir um direito de resposta e foi interrompida em seguida por Van Hattem. Os dois trocaram ofensas por cerca de dois minutos e tiveram seus microfones desligados.
Mesmo sem o áudio, é possível ouvir a troca de farpas entre os dois. O deputado Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), que presidia a sessão, pediu aos dois que “pudessem contribuir dentro das regras da comissão e do comportamento adequado dos parlamentares” e encerrou a votação. Os requerimentos foram aprovados.
Lula quer preservar governo, mas base não tem unidade
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende que não classifica o Hamas como grupo terrorista por seguir a diretriz do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que não adota essa classificação. No Senado, Mauro Vieira disse que uma proposição sobre o assunto não passaria no Conselho.
O Brasil tem adotado uma postura contrária ao conflito, porém com linguagem cautelosa. Nesta quinta-feira, 19, o governo passou a pedir “bom senso” a servidores nos comentários sobre a guerra nas redes sociais.
Também para preservar o governo dos desgastes e pressões que vem sofrendo, Lula orientou, no início da semana, a base no Congresso a se distanciar o assunto e focar na pauta econômica, conforme mostrou a Coluna do Estadão.
Contrariando o presidente, o diretório nacional do PT publicou uma nota equiparando os ataques do Hamas à reação do Estado de Israel e foi alvo de repúdio da Embaixada israelense. Nesta quarta, o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Hélio Doyle, foi demitido por compartilhar nas suas redes sociais uma publicação que chama de “idiotas” os apoiadores de Israel.
Na semana passada, um assessor parlamentar com mais de três décadas de Câmara foi demitido por zombar, também nas redes, de uma mulher vítima do Hamas. Sayid Marcos Tenório é historiador e defende a causa palestina. Ele trabalhava no gabinete do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA).
Gayer vs. Celeguim
O confronto parlamentar da terça-feira, 17, foi entre o deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) e o governista Kiko Celeguim (PT-SP). O goiano provocou os parlamentares petistas e disse que o partido da presidência é uma “facção criminosa”, enquanto seus colegas entoavam “defensor de terrorista”.
Os ânimos se acirraram e Celeguim rebateu. “O deputado chamar de facção criminosa tem que lavar a boca”. A discussão se aproximou do embate físico e os dois parlamentares tiveram que ser separados pela Polícia Legislativa. O episódio ocorreu no plenário da Câmara, que já estava esvaziado.
Carla Zambelli vs. Lindbergh Farias
No primeiro dia útil depois do começo da guerra, Lindbergh Farias (PT-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP) abriram a temporada de embates na Câmara sobre o assunto. No plenário, a fiel apoiadora de Jair Bolsonaro (PL) classificou o Hamas como grupo terrorista e foi rebatida pelo petista, que usou o mesmo adjetivo para se referir à deputada e aos manifestantes que depredaram as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro.
Os dois trocaram ofensas enquanto discursavam na tribuna. Zambelli chamou Lindbergh de “lindinho”, codinome mencionado por delatores da Odebrecht para se referir ao petista. O confronto entre os dois continuou entre as cadeiras da Câmara e eles precisaram ser apartados pelos presentes. O PL disse que pedirá a cassação de Lindbergh por ter chamado Zambelli de “terrorista”.
Guerra de narrativas chegou até a Assembleia Legislativa de Goiás
No dia seguinte à discussão protagonizada entre Zambelli e Farias, os deputados da Assembleia Legislativa de Goiás quase se agrediram fisicamente por causa de uma moção de repúdio ao Hamas. A proposta foi apresentada pelo deputado estadual Amauri Ribeiro (União Brasil), que acumula um histórico de agressões na sua carreira política.
O parlamentar chamou a colega de Casa Eusébia de Lima (PT-GO) de “hipócrita”, “cara de pau” e “malandra”, e foi rebatido por outro deputado do PT, Marco Rubem. Ribeiro tentou partir para a agressão física e precisou ser contido pelos seguranças do local.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.