Hacker preso pela PF foi usado por bolsonarista para espalhar mentiras sobre urnas

Hacker colocou em xeque segurança das urnas eletrônicas em vídeo gravado por equipe de deputado dentro da prisão. Filipe Barros, em 2021, disse que assessores dele foram ao presídio e que essa informação não havia sido ocultada; defesa do hacker foi procurado pelo ‘Estadão’, mas não retornou

PUBLICIDADE

Foto do author Karina Ferreira
Atualização:

O hacker Marcos Roberto Correia da Silva, preso pela Polícia Federal (PF) nesta terça-feira, 9, suspeito de vazar informações de milhões de brasileiros, no que é considerado o maior episódio do tipo no Brasil, gravou um vídeo a pedido do deputado federal Filipe Barros (PL-PR) em que afirma que conseguiria “invadir o sistema eleitoral” e “manipular tudinho”. A gravação foi feita pela equipe do parlamentar em 2021, dentro do presídio no qual o cibercriminoso cumpria prisão preventiva.

Na ocasião, o deputado mandou uma equipe ao local para que o preso falasse sobre as supostas habilidades de invadir o sistema da Justiça Eleitoral. A equipe fez o preso assinar um documento atestando que a entrevista foi espontânea e concordando com a gravação sem a presença do advogado. No papel, não consta o nome de Barros.

O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) foi relator da chamada PEC do voto impresso, arquivada pelo plenário em 2021 Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

PUBLICIDADE

Com 25 anos na época, o jovem foi questionado se, caso tivesse tempo e estrutura, conseguiria “invadir o sistema eleitoral”. Algemado, ele afirmou: “conseguiria”, dizendo que poderia inserir votos artificiais no sistema e que “manipularia tudinho”. Há anos a Justiça Eleitoral usa tecnologia de ponta e recebe especialistas para testes públicos de segurança, sem nunca achar qualquer brecha no sistema.

O vídeo foi ao ar em 16 de julho e dez dias depois já tinha sido visto 500 mil vezes. O Estadão Verifica assistiu ao vídeo e esclareceu todas as desinformações prestadas pelo hacker, como a afirmação de que conseguiria manipular os votos da urna eletrônica pela internet, o que não é verdade.

A urna eletrônica não tem ligação nenhuma com a internet ou com qualquer outro meio de transmissão de dados e permanece dessa maneira durante todo o tempo. O único cabo que ela possui é o de energia. Ao final da votação, o flash da urna (uma espécie de cartão de memória) é levado para um sistema próprio que envia esses dados para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) usando criptografia, por meio de uma rede privada da Justiça Eleitoral e com uma série de camadas protetoras que garantem a sua integridade.

O material foi produzido quando Filipe Barros era relator da PEC do voto impresso, de autoria da deputada Bia Kicis (PL-DF). Na época, os dois deputados eram do PSL. A proposta foi rejeitada pelo plenário da Câmara um mês mais tarde, em agosto. Desde aquele período, em que inclusive estava na Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) dizia que o sistema não era seguro e pedia “voto impresso e auditável”.

Em outubro de 2022, quando não foi reeleito, Bolsonaro questionou o resultado das urnas. Um relatório de fiscalização do processo de votação produzido pelas Forças Armadas no final daquele ano não aponta qualquer fraude eleitoral.

Publicidade

Os advogados do hacker só souberam do vídeo após publicado e declararam acreditar que houve claro prejuízo à defesa e às garantias do preso. “O deputado usou o Marcos como boneco de manobra política”, disse a defesa.

Procurado, em 2021 para falar sobre o vídeo, o deputado declarou, por meio da assessoria, que eram assessores dele as pessoas que foram ao presídio. “Em nenhum momento restou ocultado o fato de estarem vinculados ao Congresso”, afirmou. Barros disse não haver “espaço para especular as razões pelas quais Marcos dispensou” o contato com seus advogados.

Ao Estadão, pouco antes de ser preso pela segunda vez em 2021, Marcos confirmou que costumava confiscar informações e pedir resgate por elas. As vítimas preferenciais seriam de fora do Brasil. A defesa do hacker foi procurada nesta quarta-feira, 10, pela reportagem, mas não retornou.

O suspeito de invadir sites do Senado, do Exército e do TSE estava foragido desde novembro de 2023, quando quebrou a tornozeleira eletrônica que usava por ordem judicial no âmbito da Operação Deepwater, de março de 2021.

Ele já havia sido preso em 2019 suspeito de invadir os sites da Polícia Civil e do Ministério Público de Minas, do Tribunal de Justiça de Goiás e também do Exército.

O hacker, apresentado como um ativista no vídeo gravado pela equipe de Barros, foi alvo de inquérito por estelionato em 2019. A denúncia da Promotoria de Uberlândia cita mais de 200 tentativas de compras de produtos na internet a partir de cartões de crédito de terceiros obtidos por fraude. Nas redes, anunciava a venda de bancos de dados roubados em troca de bitcoins e admitiu que costumava confiscar informações e pedir resgate por elas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.