Rodeado de aliados políticos e lideranças locais, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebe uma placa metálica com a inscrição “Título de Cidadão Honorário”. Em seguida, ele ergue o objeto e é ovacionado por seus apoiadores. Nas redes sociais, a cena é amplamente divulgada, influenciando as discussões entre direita e esquerda. Essa dinâmica já aconteceu quatro vezes neste ano e pode se repetir nos próximos meses. Isso porque deputados e vereadores têm aprovado homenagens em massa ao ex-chefe de Estado por todo o País. Segundo levantamento do Estadão, as assembleias legislativas e câmaras municipais aprovaram oito títulos em homenagem a Bolsonaro nos últimos 12 meses. Além disso, há outras sete condecorações em tramitação nas Casas Legislativas.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a aprovação de homenagens para o ex-presidente é uma estratégia de políticos de direita para manter a polarização como instrumento eleitoral. Essa tática implica em se ligar à figura de Bolsonaro para se contrapor a potenciais candidatos de esquerda, eventualmente apoiados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Ao mesmo tempo, a realização desses eventos ajuda a preservar o capital político de Bolsonaro e mantê-lo relevante no cenário nacional, especialmente diante da sua inelegibilidade confirmada pela Justiça Eleitoral e das investigações em curso contra ele e seus aliados próximos, como o inquérito que apura a venda ilegal de joias recebidas pela gestão Bolsonaro em missões oficias.
O cientista político e professor Paulo Niccoli Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), observa que, mesmo com a derrota de Bolsonaro na última eleição, o bolsonarismo segue forte não só no Legislativo, mas também entre setores da sociedade. “É interessante para esses políticos promover essas homenagens porque o nome de Bolsonaro ainda é predominante entre evangélicos e conservadores, por exemplo. Ele ainda é um importante instrumento político para candidaturas ao Legislativo”, diz Ramirez. “A visita do ex-presidente a uma cidade cria comoção, impulsiona a popularidade e, consequentemente, os políticos associados ao nome de Bolsonaro têm maior probabilidade de serem eleitos”, acrescenta.
A visita do ex-presidente a uma cidade cria comoção, impulsiona a popularidade e, consequentemente, os políticos associados ao nome de Bolsonaro têm maior probabilidade de serem eleitos
Paulo Niccoli Ramirez, cientista político e professor da FESPSP
Agosto foi o mês que representou o ápice das homenagens a Bolsonaro neste ano, com a concessão de três títulos em um período de apenas dez dias. Nesse mesmo mês, o ex-presidente recebeu o título de cidadão honorário pela Câmara Municipal de Barretos e pelas assembleias estaduais de Minas e Goiás. Em Barretos, ele foi aplaudido e recebido sob gritos de “mito” na tradicional Festa do Peão. Em uma entrevista ao Estadão, a prefeita da cidade, Paula Lemos (DEM), descreveu a região como um reduto da direita e enfatizou que “Bolsonaro vai influenciar nas eleições do ano que vem”. Em Minas, por outro lado, a cerimônia foi tumultuada devido a confrontos entre manifestantes a favor e contrários ao ex-presidente nas proximidades da assembleia.
O levantamento das homenagens a Bolsonaro foi feito por meio de acesso aos portais das 26 assembleias estaduais, das 26 câmaras municipais das capitais e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Após a busca nos sites oficiais, foram realizadas consultas em mecanismos de busca para identificar homenagens em outras localidades. A pesquisa nos sites de busca abrangeu o período de 1º de janeiro a 18 de outubro deste ano, ao passo que a consulta nos sistemas das Casas Legislativas considerou as duas legislaturas mais recentes. Além disso, as condecorações aprovadas e entregues até 31 de dezembro de 2022 foram excluídas. No total, foram localizadas 15 homenagens, das quais quatro foram aprovadas, quatro já foram entregues, e sete estão em processo de tramitação. Apenas duas dessas homenagens partiram do Poder Executivo, enquanto as demais foram iniciativas do Poder Legislativo, sendo que dez delas foram propostas por parlamentares do PL, partido do ex-presidente Bolsonaro.
Além das 15 homenagens que necessitam da aprovação do Legislativo, mesmo que a proposta tenha tido origem no Executivo, o ex-presidente tem recebido outras distinções. Na segunda-feira, 16, ele recebeu uma medalha comemorativa ao Cinquentenário da Rota, a tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. A medalha foi entregue pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi ministro da Infraestrutura na gestão Bolsonaro. O ex-presidente prestou seu apoio a Tarcísio nas eleições de 2022 em São Paulo.
Bolsonaro será homenageado em São Bernardo do Campo, berço político de Lula
Na avaliação de Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, a estratégia de entregar homenagens a Bolsonaro também está associada à ampla utilização das redes sociais para perpetuar o sentimento de rejeição ao PT na sociedade. Para Cortez, o ex-presidente está empenhado em manter sua posição como o principal expoente do antipetismo, utilizando postagens nas mídias sociais para criticar o governo atual, mas também se engajando em eventos políticos, como as cerimônias de premiação nas Casas Legislativas.
“De alguma maneira, a política brasileira ainda pode ser explicada por essa polarização esquerda-conservadores ou, pensando em figuras políticas, Lula versus Bolsonaro”, diz.
Marcada para o dia 30 de novembro, a próxima cerimônia de entrega de título em homenagem a Bolsonaro será um exemplo dessa polarização, visto que a solenidade vai acontecer em São Bernardo do Campo, berço político de Lula e do PT. A proposta de homenagear o ex-presidente no reduto petista é do vereador Paulo Eduardo Lopes (PL), mais conhecido como Paulo Chuchu.
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Ex-assessor do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Chuchu disse acreditar que o evento vai beneficiar a direita na região, demonstrando força do bolsonarismo’. “Muitos dizem que São Bernardo é uma cidade de esquerda, mas discordo disso. Ela é bem polarizada. A direita nunca teve um candidato próprio à Prefeitura, mas agora temos uma direita nova, que está apresentando a compor”, diz o vereador. O deputado Eduardo Bolsonaro também será homenageado.
A política brasileira ainda pode ser explicada por essa polarização esquerda-conservadores ou, pensando em figuras políticas, Lula versus Bolsonaro
Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria
Outro exemplo da polarização Lula-Bolsonaro ocorre em Santa Catarina, onde a Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ) da assembleia estadual aprovou, no início deste mês, a proposta de conceder o título de cidadão honorário ao ex-presidente. No entanto, a iniciativa do deputado Oscar Gutz (PL) enfrenta um obstáculo legal. Em 2020, o Estado promulgou uma lei que proíbe a concessão dessa honraria a políticos inelegíveis. Na época, o projeto de lei tinha como objetivo impedir que o título fosse concedido a Lula, visto que o petista se enquadrava na categoria por conta da condenação na operação Lava Jato, que foi anulada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
PL usa Bolsonaro e Michelle para alavancar candidaturas para 2024
Creomar de Souza, cientista político e professor da Fundação Dom Cabral, chama a atenção para a quantidade de homenagens que foram propostas por parlamentares do PL. Segundo ele, o número elevado de honrarias que surgiram por iniciativa de correligionários de Bolsonaro pode indicar que as homenagens não compõem um processo orgânico, e sim uma estratégia partidária. “Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro são hoje um projeto político de Valdemar Costa Neto, (presidente do PL)”, conta o professor, que explica que Valdemar tem usado a popularidade de Bolsonaro para construir candidaturas competitivas para as eleições do próximo ano. Em 2024, o partido deseja eleger mil prefeitos em todo o País.
Para cumprir essa meta ambiciosa, tanto Bolsonaro como Michelle fazem parte da estratégia política de Valdemar. Nesta semana, a ex-primeira-dama foi a protagonista de uma propaganda do PL em busca de novas filiadas para a sigla. Desde que assumiu a presidência do PL Mulher em fevereiro deste ano, Michelle tem atravessado o País em palestras e eventos.
Além disso, a tática de homenagens também se enquadra no caso de Michelle. Entre janeiro e outubro, o Estadão apurou que existem sete iniciativas de homenagem direcionadas à ex-primeira-dama nos sites das assembleias legislativas e câmaras municipais das capitais, englobando propostas que foram aprovadas, arquivadas ou estão atualmente em processo de análise.
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