BRASÍLIA - O discurso de posse do novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi marcado pela defesa do protagonismo do Parlamento nas questões orçamentárias e no controle das emendas e pela demarcação de um anteparo a interesses golpistas e antidemocráticos.
No pronunciamento repleto de recados, o novo presidente abusou de referências a Ulysses Guimarães. Ele selecionou máximas do Senhor Constituinte e as usou hora para atender governistas e hora para agradar a oposição.
Durante seu pronunciamento, Motta ficou de pé, ergueu um exemplar da Carta Magna e bradou por três vezes um “viva a democracia!”. O gesto remete à cena imortalizada por Ulysses no processo de promulgação da Constituição de 1988. Motta é o primeiro presidente da Câmara que não viveu esse momento. Ele nasceu em 1989.

O novo presidente da Câmara também recorreu a uma frase célebre do presidente da Assembleia Nacional Constituinte ao dizer que tem “ódio e nojo à ditadura”. A lembrança rendeu gritos de “sem anistia” por parte dos governistas.
Em outra mensagem que rendeu aplausos efusivos dos parlamentares que ficam na ala esquerda do plenário – e tradicionalmente são os políticos ligados a partidos desse espectro –, Motta fez referência ao filme “Ainda Estou Aqui”. A obra de Walter Salles expõe um lado perverso da ditadura e concorre ao Oscar em três categorias.
”Vamos fazer o que é certo, pelo bem do Brasil. O Brasil não pode errar e não podemos deixar que ninguém erre contra o Brasil. Temos de estar sempre do lado do Brasil. Em harmonia com os demais Poderes, encerro com uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui”, declarou.
Hugo Motta foi eleito também com o apoio de parlamentares mais próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que inclusive recomendou que seus aliados depositassem o voto no paraibano. Bolsonaro relativiza o golpe de 1964 e já disse reiteradamente que tem torturadores como o coronel Carlos Brilhante Ustra como uma de suas referências.
Mas os recados ao governo e ao Supremo Tribunal Federal (STF) também saíram de menções a Ulysses Guimarães. Motta pinçou declarações históricas do presidente da Assembleia Constituinte para um dos pontos altos da sua estreia: o Parlamento não pode recuar sobre o controle orçamentário, embora reconheça a pertinência de melhorias na transparência.
“Ulysses em seu discurso desenhava a função constitucional deste Parlamento, já então: ‘é axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só’. Quem era o ‘um só’ a que se refere Ulysses? O superpresidente, o presidencialismo absoluto, cuja sentença de morte estava sendo decretada na inauguração da nova Constituição. Não existe ditadura com parlamento forte”, disse.
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Câmara e Senado têm sido pressionados com medidas que tentam conter o controle do Congresso sobre emendas parlamentares. Mesmo após o fim do orçamento secreto nos moldes daquele desenhado na gestão Bolsonaro, o governo avalia que o mecanismo atual ainda representa uma tomada de prerrogativas que inviabiliza o Executivo.
Motta discorda veementemente. “Ao contrário dos debates parciais, o Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário”, disse o novo presidente.
Para defender o seu ponto de vista, mais uma vez recorreu à memória de Ulysses. “Pontificou Ulysses: ‘se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo. Repito Ulysses: ‘são governo o Executivo e Legislativo’.”
A variedade de recados é parte explicada pelo tamanho da rede de apoio que ele costurou para vencer a disputa. Foram 18 partidos, do PT ao PL. Hugo Motta foi eleito pela primeira vez aos 21 anos. Ele vem de uma família que domina seu reduto eleitoral, no sertão da Paraíba, há mais de 50 anos.
Aos 35 anos, conseguiu usar a memória de Ulysses Guimarães para dizer que a democracia não tem donos. Ou pelo menos que pretende muito rapidamente se consolidar como um deles.