Impeachment de Dilma não foi golpe; entenda as ‘pedaladas’ e o processo de destituição da petista

Congresso referendou o rito em várias etapas, com a chancela do STF, sob supervisão de Lewandowski, que foi indicado à Corte pelo próprio Lula

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Foto do author Murilo Rodrigues Alves
Atualização:

BRASÍLIA - O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva parece disposto a reescrever a história para emplacar a narrativa de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe de Estado” desprezando o processo legal que ocorreu em 2016. O rito da destituição da petista seguiu todas as regras previstas na Constituição. A base do processo foram as “pedaladas fiscais”, prática revelada pelo Estadão.

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Na sua primeira viagem internacional, Lula vem repetindo que Dilma foi “injustiçada” por um “golpe de Estado”. O petista pode até considerar a destituição da ex-presidente como “injusta”, mas todo o processo foi referendado pelo Congresso e teve supervisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ricardo Lewandowski, indicado como ministro da Corte pelo próprio Lula, comandou a sessão do Senado em que a presidente foi cassada por 61 votos favoráveis e 20 contrários. Antes, na Câmara dos Deputados, o placar pela saída da presidente foi de 367 votos a favor, 137 contra e 7 abstenções.

Como manda a Constituição, quem assumiu foi o vice-presidente eleito junto com Dilma, Michel Temer, a quem Lula chamou de golpista reiteradas vezes. Nesta quarta-feira 25, Temer rebateu que o presidente não sai do palanque e agora tenta reescrever a história “por meio de narrativas ideológicas”.

Dilma foi cassada por infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao editar decretos para abertura de credito suplementar sem autorização do Congresso e atrasar de maneira proposital o repasse de dinheiro para bancos com o objetivo de melhorar artificialmente as contas, manobra batizada de “pedaladas fiscais”.

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O que foram as pedaladas

A “pedalada fiscal” foi o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS. O objetivo do Tesouro e do Ministério da Fazenda era melhorar artificialmente as contas federais. Ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava todos os meses despesas menores do que elas deveriam ser na prática e, assim, ludibriava o mercado financeiro e especialistas em contas públicas.

As “pedaladas” foram reveladas pelo Estadão no primeiro semestre de 2014, mas já tinham começado a ocorrer desde 2013. Em 2015, no segundo mandato de Dilma, com Joaquim Levy como ministro da Fazenda, a nova equipe econômica admitiu que as “pedaladas” existiram e se comprometeu com as correções.

O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também discordou do uso do termo “golpe” para se referir ao processo de impeachment de Dilma. “Golpe é uma palavra um pouco dura, que lembra a ditadura militar. O uso da palavra golpe lembra armas e tanques na rua”, afirmou o então prefeito de São Paulo, em 2016, ao Estadão.

Aqui está uma cronologia com 80 reportagens que mostram da revelação da manobra à cassação da petista.

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Cronologia das pedaladas

Como foram investigadas

A partir da revelação das “pedaladas fiscais”, o Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a abertura de uma investigação na equipe econômica do governo Dilma Rousseff. O TCU acatou e, entre os meses de outubro e dezembro de 2014, os auditores técnicos do TCU levantaram documentos, contratos e ordens de pagamentos do Tesouro Nacional, do Banco Central, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos ministérios da Fazenda, do Trabalho, do Desenvolvimento Social e das Cidades. Foram realizadas entrevistas com servidores de todas essas áreas.

Ao final, o relatório produzido pelos auditores do TCU comprovou as pedaladas fiscais. De fato, o Tesouro tinha transferido com atraso o dinheiro para bancos e autarquias. De posse do relatório técnico, o procurador do MP, Júlio Marcelo de Oliveira, produziu seu parecer concluindo que as pedaladas, agora comprovadas, constituíam crime de responsabilidade fiscal.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe que uma instituição financeira pública (como a Caixa) financie seu controlador (o Tesouro Nacional). Dentre todos os atrasos de dinheiro do Tesouro, o da Caixa foi o mais volumoso e o que caracterizou o crime fiscal, segundo o procurador. Como a Caixa continuou pagando as obrigações do governo, como o programa Bolsa Família e os benefícios do Seguro-Desemprego, ela precisou usar recursos próprios para honrar esses pagamentos. Ao fazer isso, a Caixa “financiou” o Tesouro.

Com o relatório técnico e o parecer do procurador, o caso das “pedaladas fiscais” foi a julgamento no Tribunal de Contas. A sessão, realizada em abril deste ano, terminou com a decisão, unânime, dos ministros do TCU pela condenação do governo. Foi decidido também que 17 autoridades do governo se expliquem e apresentem justificativas para as pedaladas.

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Ação com pedido de indenização foi extinta

Em março de 2022, depois de todo o processo, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, extinguiu uma ação popular contra a ex-presidente. O processo pedia que ela pagasse uma indenização à União pelos prejuízos gerados com as pedaladas. A decisão não inocenta a ex-presidente da prática e tampouco declara todo o processo – que teve o respaldo do STF – ilegal, como foi interpretada por petistas.

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