BRASÍLIA - O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) suspendeu nesta sexta-feira, 13, todas as atividades que envolvam deslocamentos para eventos. A autarquia informou que o motivo é a falta de recursos do Orçamento. Com a decisão, estão canceladas, inclusive, as entregas de títulos de propriedade, que têm sido uma das principais bandeiras na campanha de Bolsonaro em relação ao agronegócio. Ofício interno enviado aos superintendentes regionais do Incra, ao qual o Broadcast Político teve acesso, ressalta que as atividades são feitas com recursos das emendas do orçamento secreto, que dependem de indicação do relator-geral da Lei Orçamentária Anual (LOA).
“Nesse cenário, já estamos no mês de maio de 2022, e até o momento este instituto não teve disponibilizados recursos para esse fim, pelo fato de que todo o orçamento finalístico do Incra se encontra indisponível, e não pode ser utilizado de forma discricionária pela autarquia”, diz o documento, assinado pelo presidente do Incra, Geraldo José Filho.
Situação similar ocorreu no começo do governo Bolsonaro, em abril de 2019, quando as atividades de reforma agrária também foram suspensas. Com a falta de recursos, o órgão vai priorizar ações consideradas urgentes e obrigatórias. A participação de servidores da autarquia em eventos externos, mesmo que não seja custeada pelo Incra, também foi suspensa.
“Isso posto, em razão do previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, faz-se necessário o estrito cumprimento da presente medida no sentido de se evitar qualquer responsabilização dos gestores na execução orçamentária da autarquia”, afirma outro trecho do ofício. A decisão vale até o presidente do Incra revogá-la.
Nos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro tem participado de vários eventos de entrega de títulos de propriedade no País. Em 14 de abril, por exemplo, ele foi a João Pinheiro (MG) entregar certificados de terras e, em discurso, exaltou os produtores rurais, uma de suas principais bases de apoio.
“O nosso governo, diferente dos outros, que atrapalhavam e não faziam nada além disso, não atrapalha e colabora com o produtor rural”, afirmou o presidente, na ocasião. “O agricultor familiar é extremamente importante para nós brasileiros. É quem produz as mais variadas plantas agrícolas, que vão diretamente para as nossas mesas”, emendou Bolsonaro.
O presidente também tem usado a titulação como bandeira de campanha. Em exposição agropecuária na cidade de Maringá (PR), na quinta-feira, 11, Bolsonaro afirmou que “a grande obra do governo no campo é a titulação de terras”. Ele reforçou que a estratégia enfraquece o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das principais bases de apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas na corrida eleitoral. “(Estamos) dando cada vez mais títulos de propriedade provisório ou definitivo aos assentados, de modo que o MST cada vez mais perde a sua força”.
Prioridade para fiscalização
O Incra afirmou neste sábado, 14, em nota, que a suspensão de atividades que envolvam deslocamento para eventos permite priorizar ações obrigatórias relacionadas a fiscalizações.
“A suspensão de deslocamento para eventos permite priorizar as ações obrigatórias relativas a fiscalizações, supervisões ocupacionais e outras iniciativas visando a regularização e a concessão de políticas públicas para mais beneficiários dos programas do Incra. Tais ações prioritárias já em andamento serão acompanhadas pelas diretorias de Governança Fundiária e de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento”, diz a nota do Incra.
Na nota divulgada hoje, a autarquia esclarece que nem todas as atividades estão suspensas. “Ao contrário disto, o documento trata das medidas de gestão a serem observadas para que a atuação prioritária — de supervisão e vistoria — continue a acontecer, cumpridos os requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, possibilitando que se siga produzindo os resultados e a efetividade das políticas públicas esperados”, diz outro trecho do documento.
“Tão logo seja equacionada a disponibilidade orçamentária - assunto no qual o Incra tem recebido apoio do Governo Federal e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - será feita a reprogramação das atividades da Autarquia para a retomada de todas as atividades externas”, acrescenta o Incra.
‘Extinção do Incra’
De acordo com dados da Associação Nacional dos Servidores Públicos Federais Agrários (Cnasi), o Incra já chegou a contar no passado com 9 mil servidores na ativa, mas hoje tem cerca de 3 mil funcionários, dos quais aproximadamente mil devem se aposentar até o fim deste ano. “O órgão vive uma situação de precarização total, assédio institucional e individual aos trabalhadores, e tudo isso vai levar à extinção do Incra”, adverte reservadamente um integrante da Cnasi, entidade que representa 90% dos servidores do Incra.
Esse mesmo servidor reforça que o quadro atual paralisa atividades essenciais desenvolvidas pelo Instituto, como reforma agrária, regularização fundiária e regularização de áreas quilombolas. Segundo ele, estão parados na mesa do presidente Jair Bolsonaro cerca de 200 processos de regularização quilombola, aguardando sua assinatura. Outros 80 processos do mesmo tipo também estão travados no próprio Incra. “E assentamentos, que são outra atuação importante do Incra, neste governo só são feitos por determinação judicial, parou tudo desde 1º de janeiro de 2019″, diz. “O órgão está vivendo de sobras orçamentárias e de algumas emendas parlamentares”.
Há mais de 20 anos, em 2000, o Incra contava com um orçamento global de R$ 1,09 bilhão, chegando a R$ 1,9 bilhão em 2011, mas a dotação destinada ao órgão vem sofrendo redução nos últimos anos. Em 2020, o orçamento da autarquia ficou na casa de R$ 700 milhões. O Incra ainda não informou a dotação orçamentária fixada para suas atividades neste ano.
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