BRASÍLIA - Um bilhete apócrifo com ameaças explícitas contra o indigenista Bruno Pereira, da Fundação Nacional do Índio, desaparecido desde domingo, 5, e contra lideranças indígenas foi deixado no escritório de advocacia que representa a organização para a qual ele vinha trabalhando voluntariamente, em Tabatinga, no Amazonas. Diante da precariedade do combate aos invasores pelos órgãos federais, servidores da Funai e lideranças indígenas relatam que narcotraficantes e garimpeiros têm se sentido mais à vontade para intimidar nativos e indigenistas. ”Sei quem são vocês e vamos achar pra acertar as contas”, diz um trecho do bilhete, com a grafia corrigida (veja a íntegra abaixo). “Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e o Bruno da Funai é quem manda os índios irem prender nossos motores e tomar os nossos peixes. (...) Se querem dar prejuízo, melhor se aprontarem. Está avisado.”
Bruno Pereira desapareceu enquanto voltava da comunidade São Rafael em direção à cidade de Atalaia do Norte, na companhia do jornalista inglês Dom Phillips, do britânico The Guardian. O percurso pelo rio deveria demorar não mais do que duas horas, e Pereira era um exímio conhecedor do trajeto. O bilhete anônimo surgiu há cerca de um mês e meio e foi endereçado ao advogado Eliesio Marubo. Nativo do Vale do Javari, ele deixou o território aos 16 anos para estudar Direito e se tornar um importante ativista nos tribunais em favor dos povos indígenas.
Beto e Eliesio Marubo são líderes da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Bruno Pereira estava licenciado de suas atividades na Funai para coordenar na entidade um projeto de melhoria da vigilância de terras indígenas. A medida desagrada narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros que invadem a Terra Índigena (TI) do Vale do Javari, território do extremo oeste do Amazonas e que tem o tamanho de Portugal.
”Não tenho a menor dúvida (que o sumiço de Pereira está relacionado com a ameaça). Era uma questão de tempo para acontecer. Infelizmente é dessa maneira, até finalizarem o que eles têm que fazer. O Estado não está presente e deixa um espaço vazio. Onde o Estado não está, o crime está”, afirmou Marubo.
Ainda segundo o advogado, outra ameaça recente ocorreu na cidade. Um piloto de embarcações da Univaja e o consultor Orlando Possuelo, filho do sertanista Sydney Possuelo, foram intimidados por criminosos em Atalaia do Norte, cidade que dá acesso ao Vale do Javari. ”Nosso piloto e o Orlando foram parados por pessoas dizendo que eles tinham de parar o que estavam fazendo, se não ia acontecer o mesmo que aconteceu com Maxciel.” Maxciel Pereira era um colaborador da Funai que atuava nas bases do Vale do Javari e foi assassinado em setembro de 2019. Até hoje, as autoridades não deram respostas sobre a autoria do crime nem apontaram os responsáveis.
Bruno Pereira atuava no Javari há mais de uma década. No período, conquistou o respeito de lideranças indígenas e se tornou uma referência nacional e internacional no tema dos povos isolados.
Ex-presidente da Funai e responsável por reformular, no fim dos anos 1980, a política de contato com povos isolados, Sydney Possuelo afirmou que os invasores têm ficado mais destemidos nos últimos anos por causa dos incentivos que o governo Jair Bolsonaro dá a garimpeiros e exploradores. ”Tudo recrudesceu. A própria Funai que estava ali para não deixar invadir aquela terra trabalha ao contrário. As equipes que foram para lá têm cabeça bolsonarista e deixam entrar todo mundo”, disse Possuelo. “Aquela é quase uma área internacional, perto da fronteira, com traficantes de cocaína, de madeira, caçadores. Todos que estão ali permanecem constantemente ameaçados há muitos anos.”
Procurado para se pronunciar sobre a atuação da Funai e as buscas aos desaparecidos, o Palácio do Planalto ainda não respondeu. Na noite de ontem, o Ministério da Defesa informou que, a partir desta terça-feira, vai usar um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática na operação deflagrada para encontrar Bruno Pereira e Dom Phillips.
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