A alta da inflação, pressionada pelo aumento do preço dos combustíveis, levou à queda do 16.º ministro do governo Jair Bolsonaro no momento em que a maior preocupação do brasileiro é com a economia. O potencial efeito da escalada do custo de vida na corrida pelo Planalto virou o maior desafio até o momento para o presidente na busca pela reeleição. Agora ex-titular de Minas e Energia, Bento Albuquerque foi substituído por Adolfo Sachsida, homem de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Pesou também para a dispensa o caso do “Centrãoduto”, revelado pelo Estadão. Trata-se de uma articulação no Congresso para destinar R$ 100 bilhões a uma espécie de fundo para a construção de uma rede de gasodutos em favor de Carlos Suarez, o S da empreiteira OAS, e sócios.
A saída de Albuquerque se deu no mesmo dia em que a inflação oficial foi anunciada. Em abril, o índice chegou a 1,06% e, no acumulado de 12 meses, fechou em 12,13%. Pesquisa da Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 11, mostrou que a economia aflige 50% dos eleitores – 14% disseram outros problemas e 13% citaram a pandemia.
Bolsonaro tentou minimizar os efeitos da alta dos preços e não tratou em público da saída de Albuquerque. “Apesar de a inflação estar alta no Brasil, bem como a questão dos combustíveis, na nossa terra os efeitos são menores”, disse durante visita à 48.ª Expoingá, em Maringá (PR). “Vocês sabem que pior que uma ameaça externa é uma ameaça interna de ‘comunização’ do nosso País”, afirmou a apoiadores.
Na semana passada, durante a live semanal, o presidente afirmou que o lucro trimestral de R$ 44, 5 bilhões da Petrobras, que reajusta os preços conforme a cotação internacional do petróleo, era “um estupro”. Segundo ele, a empresa quebraria o País e levaria a “convulsão social”. Ontem, Sachsida anunciou que pedirá estudos para privatizar a Petrobras e o pré-sal.
Os indicadores frearam a recuperação de Bolsonaro nas pesquisas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Nesta quarta, 11, a pesquisa Genial/Quaest mostrou também que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém a liderança, com 46% – dois pontos a mais que há um mês –, enquanto Bolsonaro segue no mesmo patamar (29%).
Na semana passada, pesquisa divulgada pelo Ipespe também apontou estagnação. “A economia é atualmente o principal obstáculo para uma recuperação mais significativa do presidente”, disse o cientista político Antonio Lavareda, especialista em marketing político.
Ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga lembrou que a última vez em que a inflação preocupou durante um ano eleitoral foi em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez. Ficou em 12,53% ao fim do ano. Para ele, contudo, a situação hoje é delicada. “Em 2002 houve choque de confiança. Havia um receio enorme do que o PT faria no poder. Hoje é diferente, porque a situação fiscal é muito frágil.”
A cientista política Graziella Testa, da FGV-SP, afirma que as pesquisas de intenção de voto são resultado de uma gama variada de fatores, entre eles a avaliação do desempenho econômico do governo em questão. “As pesquisas mais recentes sobre as temáticas mais relevantes para o eleitor têm apontado para a economia como sendo a principal preocupação. Dentro desse guarda-chuva econômico entram, por exemplo, dados de desemprego e inflação”, diz.
Segundo a economista Mariana Almeida, as famílias sentem o impacto da inflação no dia a dia e reagem a isso. “E a maior parte do campo da política também tenta reagir, mas com medidas paliativas”, afirma, citando, por exemplo, o Auxílio Brasil.
Superintendente da Fundação Tide Setubal, ela diz que o programa criado por Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família não tem uma estrutura de continuidade bem definida e não está baseado em todas as evidências disponíveis sobre transferência de renda. “Assim, não cria estabilidade nem confiança na população sobre a proteção social que essa política pode representar.”
Mariana ressalta, porém, que “economia tem tudo a ver com a política”, mas que dados bons nesse seara são consequência de projetos concretos e consistentes, baseados nos pilares da estabilidade política e confiança nos gestores e nas lideranças. “E, nesse momento em particular, precisamos de uma visão de como agir frente não só ao crescimento da pobreza mas à desigualdade desenfreada.”
Herança
De acordo com Lavareda, o crescimento que Bolsonaro registrou nos levantamentos eleitorais do mês passado teve relação direta com a saída do ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil) da disputa e não de uma eventual percepção de que a economia do País melhorou. Como consequência, é normal observar agora uma estagnação do desempenho do presidente. Lavareda também cita a relação cada vez mais próxima entre intenção de voto e avaliação de governo, à medida em que a campanha avança.
“Esses eleitores que retornaram a Bolsonaro vindos de Moro parecem ter convertido avaliações mais críticas que faziam anteriormente, passando a qualificar positivamente o governo. É o chamado viés de consistência. Ele dá a intenção de voto dele (à pesquisa) e depois ele diz que o governo está bom, para ser consistente e coerente (com o voto)”.
Outro ponto que pode corroer o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas seria a dificuldade de destrinchar ao eleitor a complexidade da formação dos preços cujo crescimento, segundo o cientista, não compete apenas ao presidente. Nesse cenário, a influência da guerra da Ucrânia e da pandemia, por exemplo, sentidas em todo o mundo, não são levadas em consideração na hora de avaliar a permanência de Bolsonaro no poder.
Ministro era contra Centrãoduto
Albuquerque era contra a proposta de bancar os gasodutos com recursos do Tesouro. Apesar de resistir ao projeto como havia sido apresentado no Congresso, ele autorizou as negociações para garantir que a construção dos dutos de gás se tornasse realidade, em condições de mercado. A aproximação do ministro com políticos do Centrão que defendiam o gasto público, porém, provocou desconfianças no Planalto e na equipe econômica de que ele acabaria cedendo ao plano original.
Como mostrou o Estadão, a Casa Civil comandada por Ciro Nogueira chegou a discutir a edição de uma medida provisória para tornar viável o “Centrãoduto”, caso o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não conseguisse aprovar um jabuti – emenda estranha ao projeto original – com essa finalidade. Lira é aliado de Nogueira.
Bolsonaro não gostou de saber pelo jornal que essa operação estava sendo montada por Nogueira com aval de técnicos do ministério de Albuquerque. O presidente é conhecido pelo estilo “quem manda sou eu”.
Técnicos de Minas e Energia e da Economia se reuniram na Casa Civil, há duas semanas, para discutir como viabilizar o negócio. Na ocasião, integrantes da equipe econômica se manifestaram novamente contra a operação. O episódio foi a gota d’água para a demissão de Albuquerque, que já vinha sofrendo críticas. / COLABORARAM ADRIANA FERRAZ, BÁRBARA NASCIMENTO, CÍCERO COTRIM, GUSTAVO QUEIROZ E RUBENS ANATER
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