Na última sexta-feira completou-se dois anos de um dos eventos mais dramáticos da histórica da democracia dos Estados Unidos: a invasão ao Capitólio por uma horda de fanáticos alimentados de um lado por um presidente que demonstrou pouco pelos princípios basilares de civilidade democrática, e de outro por uma extensa rede de fake news que fazia com que aquelas pessoas vivessem praticamente um realidade paralela onde os fatos concretos eram substituídos por narrativas sem contato com a realidade.
O 6 de janeiro de 2021 entrou para a história dos Estados Unidos ao lado de outras datas como o 7 de dezembro de 1941 e o 11 de setembro de 2001.
No primeiro caso, classificado pelo então presidente Franklin Roosevelt como o “dia que viverá na infâmia”, os Estados Unidos foram surpreendidos por um ataque surpresa do império japonês na base naval de Pearl Harbour em um ato que determinou não apenas a entrada definitiva do país na 2ª. Guerra, mas que sacramentou definitivamente a posição dos Estados Unidos como uma superpotência global que liderou a construção da ordem internacional pós-guerra.
No segundo caso, os Estados Unidos foram novamente surpreendidos com um ataque aéreo, mas dessa vez perpetrado por uma rede terrorista transnacional. Os atentados de 11 de setembro de 2001 ocorreram em um momento em que os Estados Unidos viviam o auge de seu momento unipolar como hiperpotência incontestável no sistema internacional uma década após o desaparecimento de seu principal rival do período da Guerra Fria.
A resposta da administração Bush ao 11 de setembro incluiu a desastrosa invasão ao Iraque, cujos custos econômicos humanos e de reputação serviram como catalizadores para o gradual processo de enfraquecimento da hegemonia americana nas décadas seguintes.
Ao contrário do 7 de dezembro de 1941 e do 11 de setembro de 2001, o 6 de janeiro de 2020 foi um ataque perpetrado não por uma potência estrangeira ou por grupos terroristas transnacionais, mas por cidadãos americanos radicalizados dentro de um ambiente de hiperpolarização política facilitado por tecnologias digitais e validado pelo próprio presidente dos Estados Unidos.
A curta distância histórica para os eventos de 2020 não nos permite ainda cravar definitivamente qual será o seu significado no longo prazo. Pode ser que a data represente tanto o ponto que marcou a deterioração inexorável da mais antiga democracia do mundo, ou o ponto de virada que representará a restauração da democracia americana.
Para o Brasil, o 6 de janeiro de 2020 adquiriu um significado importante na medida em que o ex-presidente Jair Bolsonaro via em Trump um modelo político, adotando inclusive discurso bastante similar. Por essa razão, a partir da derrota eleitoral de Bolsonaro, analistas políticos começaram a se perguntar se o Brasil teria o seu próprio 6 de janeiro de 2020.
Tivemos a resposta neste domingo. Com uma democracia mais jovem e mais frágil que a dos Estados Unidos, resta saber o que o 8 de janeiro de 2023 representará na história da democracia brasileira.
*professor do Departamento de Ciência Política do Berea College (Kentucky, EUA)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.