Intimação de Moraes a Elon Musk via X é atípica e ilegal, avaliam juristas

Por meio da própria plataforma de Musk, Moraes exigiu que o bilionário informe o novo representante da plataforma no País; caso contrário, a rede social pode ser suspensa em 24 horas

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Foto do author Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA – Juristas ouvidos pelo Estadão consideram que a intimação emitida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ao X (antigo Twitter) e ao bilionário Elon Musk, por meio da própria plataforma, é atípica e ilegal. Em postagem direcionada ao dono da plataforma, Moraes ordenou que ele informe, em até 24 horas, quem será o novo representante da plataforma no Brasil. Como o X anunciou nesta quinta-feira que não cumpriu a decisão, há o risco da rede social ser suspensa no País.

O bilionário Elon Musk e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Foto: Trevor Cokley/Força Aérea dos EUA e Pedro Kirilos/Estadão

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De acordo com Andre Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, a intimação feita por Moraes é inválida. Segundo ele, o código processual obriga que Musk, um cidadão estrangeiro, receba a intimação por meio de uma carta rogatória, e não por meios eletrônicos.

“Essa intimação tem que ser feita, ainda que no estrangeiro, por meio de carta rogatória e os instrumentos processuais necessários para que eles recebam lá pessoalmente este pedido”, afirmou Marsiglia.

Segundo o especialista, caso Moraes suspenda as atividades do X devido à falta de resposta de Musk, a medida será ilegal. “A suspensão seria ilegal porque essa intimação, feita pelo Twitter, é nula. É como se o Twitter e o representante ilegal não tivessem recebido a intimação. Então seria ilegal qualquer medida decorrente de uma intimação nula”, disse.

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O especialista diz ainda que o STF deveria permanecer tentando intimar Musk por meios formais. Apesar disso, Marsiglia acredita que a suspensão da rede social é possível de ser feita, tendo em vista o confronto entre Moraes e o bilionário. Caso o magistrado decida interromper a atuação da plataforma, um ofício será encaminhado para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Moraes mandou a secretaria do STF intimar o empresário por “meios eletrônicos”. Elon Musk encerrou o escritório no Brasil e não têm mais advogados constituídos no País. A conta institucional do STF no X enviou a intimação por meio da própria rede social, em resposta ao perfil oficial da plataforma. A conta pessoal de Musk também foi marcada na publicação.

Musk é investigado no inquérito nº 4.957, que apura supostos crime de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. Segundo o STF, em nota, a advogada constituída nos autos também foi intimada, em 18 de agosto.

STJ já apontou ser inválida citação por redes sociais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se debruçou por algumas vezes sobre o tema, que é considerado controverso. Apesar de uma resolução de 2020 da Corte respaldar a utilização de aplicativos como WhatsApp em tribunais brasileiros, em agosto de 2023, a Terceira Turma da Corte negou provimento a um recurso de uma empresa credora que pretendia que a citação do devedor fosse feita por meio de mensagem eletrônica em suas redes sociais, em virtude da dificuldade de uma citação pessoal.

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Os ministros entenderam que a citação por aplicativos de mensagens e por redes sociais não têm nenhuma base legal. Assim, seu uso poderia caracterizar “vício de forma”, o que, em tese, resulta em declaração de nulidade dos atos comunicados dessa forma.

O prédio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília Foto: Roberto Jayme/Estadão

Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi reforçou, na ocasião, que o Código de Processo Civil já possui a hipótese de citação por edital quando o réu não é encontrado para ser citado pessoalmente.

“O STJ entende não ser possível, mas a última palavra cabe ao Supremo, que pode causar uma mudança de orientação jurisprudencial do STJ e dos demais Tribunais do país, causando uma gigante insegurança jurídica”, explica Thiago Pádua, especialista em direito constitucional.

Intimação por Twitter não assegura que investigado recebeu a ordem

Para Ludgero Liberato, especialista em direito processual, a intimação por rede social não dá garantias do recebimento por parte do destinatário da ordem.

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“É preciso que haja certeza inequívoca de que a pessoa recebeu, e de que a pessoa que está do lado de lá é pessoa no qual você está tratando. A intimação do Twitter não assegura, de forma cabal, que o Elon Musk vai ter ciência disso”, afirmou.

Liberato analisa ainda que, caso Musk permaneça em silêncio e não haja uma comprovação de que ele está ciente da determinação do STF, a ação não poderá ser validada. “Se ele se permanecer em silêncio ou se você tiver dúvidas, essa intimação não tem como ser válida. Existem formalidades que devem ser feitas para enviar intimações para pessoas que moram fora do País”, completou o especialista.

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Para Wilton Gomes, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), a intimação de Moraes não infringiu regras do direito, pois foi enviada em uma situação excepcional. Segundo o especialista, a comunicação com Musk por meio de uma carta rogatória poderia levar anos e o cenário atual, com a proximidade das eleições municipais e as supostas fake news difundidas pela rede social, exige medidas atípicas.

“Você precisa de uma resposta rápida para tirar o conteúdo e, saindo do País, você pode deixar o Twitter livre e sem controle nenhum durante o período eleitoral. Então, infelizmente, o Judiciário precisa de outras alternativas para notificar”, disse o especialista.

Horas após a intimação ter sido publicada pelo perfil institucional do STF, Musk fez publicações atacando o ministro e questionando a legalidade da notificação. Segundo Gomes, o fato de o bilionário ter comentado a decisão é suficiente para considerar que ele tem ciência da determinação de Moraes. O especialista aponta que esse fator afasta questionamentos sobre a legalidade da ordem.

“O maior problema da questão é a confiabilidade de que chegou ao destinatário. Como ele acabou divulgando isso, então você sabe que ele recebeu obviamente. Caso ele tivesse ficado inerte, você poderia questionar que não recebeu e não teve ciência”, disse o doutor em direito de Estado pela USP.

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