RIO – O ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel provocou uma ampla mobilização de cunho político na internet no Brasil com marcado protagonismo da direita. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem sendo cobrado por um posicionamento enfático contra o Hamas por parlamentares de oposição, o que fez com que capitalizassem no tema para mobilizar e gerar engajamento nas redes sociais. É o que mostra um levantamento da FGV Comunicação Rio, que analisou quase 800 mil posts do debate sobre o conflito no X (antigo Twitter), no Facebook e no Instagram, de 7 a 10 de outubro.
O protagonismo da direita fica explícito em número de posts e em engajamento médio nas plataformas: enquanto parlamentares da oposição publicaram 156 vezes sobre o conflito, a base governista fez apenas 23 posts. Já em termos de engajamento, a direita obteve um desempenho cerca de 871% superior ao observado entre parlamentares governistas. Os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Carlos Jordy (PL-RJ) – que integram o núcleo duro do bolsonarismo – lideram entre os parlamentares que mais citaram o tema nas redes sociais.
Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Eduardo Bolsonaro usou o perfil no X para associar o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores ao grupo terrorista Hamas. Em uma postagem, ele diz que o petista “sempre apoiou o grupo terrorista”.
A narrativa de Eduardo e de parlamentares de oposição ao governo federal de associar o governo federal e Lula ao grupo terrorista foi observada pela FGV. De acordo com o estudo com base na discussão sobre o conflito nas redes sociais, há uma tendência de personificação da discussão em torno do presidente e de Bolsonaro.
“Essa divisão do debate foi reafirmada nas demais plataformas, seja nos argumentos em circulação no Instagram ou nos links provenientes de mídias hiperpartidárias no Facebook. No debate parlamentar desta rede, enquanto a direita procura politizar o conflito, associando o governo ao terrorismo, deputados e senadores da esquerda procuraram se afastar da discussão, apenas compartilhando notas de repúdio à violência e divulgando ações do governo federal para auxiliar brasileiros em Israel”, diz a FGV Comunicação Rio.
Já o distanciamento dos políticos de esquerda é exemplificado pelo número de postagens dos aliados do governo sobre o conflito. Dos 25 parlamentares que mais geraram engajamento sobre o assunto nas redes sociais, apenas dois são da base governista: Gleisi Hoffmann (PT), presidente do Partido dos Trabalhadores, e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Gleisi, assim como o presidente Lula, não trata o Hamas como grupo terrorista. Em nota publicada nas redes sociais, a presidente do PT se solidarizou com as vítimas do ataque e disse que “a retaliação israelense aos ataques palestinos se anuncia como uma brutalidade ainda mais abrangente contra a população civil da Faixa de Gaza”.
“Dois milhões de palestinos, confinados há mais de uma década em um verdadeiro campo de concentração, sem direitos e sem perspectivas, são tratados agora como sub-humanos, sem acesso à água, comida e energia. O que se anuncia, sob pretexto de retaliação militar e segurança do estado, é um massacre com as dimensões de um genocídio. Repudiamos a violência e esta é a posição do PT, solidário com as vítimas de todas”, escreveu. Ela não citou o Hamas nem as vítimas israelenses do ataque terrorista.
A personificação do debate em torno de Lula e Bolsonaro é explorado tanto pela esquerda quanto pela direita. Ao defender as ações de ajuda humanitária aos brasileiros que tentam deixar Israel, deputados, senadores e integrantes do governo comparam as ações da gestão Lula a medidas que teriam sido deixadas de serem tomadas no mandato ex-mandatário.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Rogério Correia (PT-MG) defendeu instituições internacionais mediem a discussão sobre a criação de um Estado palestino. De acordo com o parlamentar, “a paz só será alcançada com respeito mútuo e criação de um estado Palestino soberano”.
Já em outro post, Correia utiliza o tema para criticar o antecessor de Lula: “Engraçado ler comentário do gado falando que a ação do governo Lula que repatriou brasileiros em Israel e Palestina não foi mais do que a nossa obrigação. De fato. Curioso é que nem a obrigadação o mito cumpriu, deixando brasileiros que estavam na China abandonados na pandemia”, escreveu.
Deputada por São Paulo, a bolsonarista Carla Zambelli tem utilizado a maior parte das publicações sobre o conflito para associar o grupo terrorista ao PT e ao presidente: “Basta olhar a história e os fatos para saber que o PT e a esquerda brasileira sempre defendeu ditadores/terroristas, tudo que não presta nesse mundo”, escreveu em uma das publicações.
Em outra postagem, a deputada chama Lula de “cretino” e investe na narrativa de que o PT e Lula apoiam o Hamas.
De acordo com o pesquisador Victor Rabello Piaia, professor da FGV Rio, o conflito em Israel dominou o debate digital entre os parlamentares após os ataques. Para ele, o tema Israel e Palestina, que já era caro à base bolsonarista, fez com que a direita recuperasse tração nas redes.
“Essa predominância da direita vem muito forte em uma onda de solidariedade a Israel. Isso remete a uma construção que já é característica dessa direita bolsonarista, que é a ligação com Israel. Bolsonaro alimenta essa construção. É algo que já vem sendo construído há muito tempo. Não surgiu do nada”, afirmou.
O objetivo do estudo, segundo ele, é ver como a política brasileira absorveu o debate. “A base bolsonarista está recuperando a tração em temas de comportamento e moral da direita, que perderam força no debate público após a eleição do ano passado. A direita estava sem narrativa. Quando começa o conflito, esse público ganha tração e ganha o debate, tensionando com supostas relações entre o PT, Lula e o Hamas. A direita estava reativa e sem rumo após os atos de 8 de janeiro e o resultado da eleição”, disse.
A discussão sobre o conflito no Facebook e no Instagram adquiriu um forte tom religioso e conservador, mobilizando páginas cristãs e perfis de pastores, de acordo com o levantamento da FGV. “Nota-se uma forte politização do conflito, com tais perfis acionando os recentes episódios para criticar a esquerda e o governo do PT. Não foram mapeados posts de destaque por parte de figuras da esquerda.”
Piaia explica que os perfis de esquerda não atingiram o mesmo engajamento das figuras da direita bolsonarista.
“Do ponto de vista de posicionamento e engajamento, os perfis de esquerda não têm o mesmo grau de mobilização da direita. A esquerda ainda tenta encontrar um meio termo entre lamentar o ocorrido e o debate da direita. Quando há um lado com um posicionamento muito forte, esse lado tende a se sobrepor ao outro que investe em uma discussão com muitas nuances”, afirmou.
O cientista político e professor da FGV EAESP Guilherme Casarões explica que a polarização entre a direita e a esquerda brasileira sobre os conflitos entre Israel e Palestina existe no País, desde o fim do segundo mandato do presidente Lula, em 2010. O tema ganhou repercussão e se tornou combustível para proselitismo político com a chegada de Bolsonaro ao poder, uma vez que o ex-presidente assumiu um discurso alinhado à Israel e uma narrativa de “bem contra o mal”.
“É uma tentativa de deslegitimar o PT atribuindo a ele uma relação que, de fato, não existe ainda que haja dentro do partido figuras simpáticas ao Hamas. O governo tem mantido uma relação institucional”, disse.
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