A anulação das provas sobre os atos de corrupção praticados pela construtora Odebrecht, um manifesto político que jamais seria reconhecido como peça de valor jurídico em qualquer democracia séria do mundo, é uma dessas histórias que começam da pior forma possível – e conseguem se tornar piores ainda à medida em que passa o tempo. A decisão, tomada pelo ministro Antônio Dias Toffoli no STF, nunca fez nexo lógico. Como podem ser consideradas “imprestáveis” as provas contra um réu que confessou, com a plena assistência de seus advogados, ter praticado os crimes dos quais era acusado? Mais: ele também delatou por livre e espontânea vontade outros criminosos e os seus crimes, em acordo assinado com o Ministério Público dentro de todas as exigências da lei. Abriu os computadores que contabilizavam os pagamentos feitos pelo seu departamento de propinas; sim, a empresa tinha um departamento só para cuidar desses assuntos. Por fim, devolveu R$ 2,7 bilhões de dinheiro roubado – e quem aceita devolver essa montanha de dinheiro se não fez nada de errado?
Toffoli diz que essas provas foram obtidas de forma ilegal, para servir à uma conspiração feita pela justiça brasileira com o objetivo de impedir que o presidente Lula pudesse voltar ao governo em 2018. O ministro não cita nenhum fato concreto capaz de dar um mínimo de coerência à acusação que faz. Se houve um pré-golpe de Estado na vara criminal de Curitiba que julgou Lula e a Odebrecht, como se explica, então, que a empresa e uma subsidiária tenham aceitado pagar 3,5 bilhões de dólares de multa nos Estados Unidos, após confessarem ter utilizado 780 milhões de dólares para subornar governos de doze países diferentes? A justiça americana teria também participado da conspiração do ministro Toffoli? É igualmente um mistério que a Odebrecht, ao longo de todos os últimos anos, nunca tenha reclamado de nada disso.
Acaba de cair, agora, mais uma porção inteira da casa. Toffoli disse em seu despacho que um dos motivos principais para a anulação das provas foi a inexistência de um documento legal, originário na Suíça e entregue às autoridades brasileiras, que permitia acesso aos computadores do serviço de propinas da Odebrecht. O problema, aparentemente insolúvel, é que esse documento existe. O Ministério da Justiça, acionado por Toffoli antes da sua decisão, tinha informado a ele que não existia; mas o mesmo ministério, que segundo o ministro Flavio Dino trabalha pela “causa” de Lula, está dizendo agora que existe. Segundo o departamento encarregado de tratar do caso, o documento suíço foi “encontrado”, com uma nova pesquisa em seus arquivos digitais.
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O despacho de Toffoli, que declarou a condenação de Lula “um dos maiores erros judiciários” da história do Brasil, transformou-se numa criatura do dr. Frankenstein. Era, desde o começo, uma aberração. Para começar, o pedido de anulação das provas contra a Odebrecht está numa ação movida por Lula através de uma advogada que é mulher do ministro Cristiano Zanin, recém-nomeado para o STF pelo próprio presidente – e seu advogado pessoal nos processos em que foi condenado pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. A partir daí, o monstro foi subindo de patamar. Sabe-se lá de que jeito vai estar mais adiante – mas e daí? Esse tipo de coisa, hoje em dia, é a menor preocupação do STF.
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