A fase da história que o Brasil vive hoje, caso ainda exista alguma coisa parecida com historiadores quando chegar a hora de contar o que está acontecendo aqui e agora, provavelmente vai ficar conhecida como a era da alucinação passiva. É como nos estados psicóticos em que o sujeito vê objetos que não estão na sua frente, ou ouve vozes que não existem, mas tem certeza de que está vendo e ouvindo tudo. A alucinação-master no Brasil de hoje é que o STF garante a sobrevivência da democracia neste país.
Na verdade, é um delírio dentro de outro delírio – o de que existiria alguma democracia a ser preservada no Brasil. Deixou de haver, na maioria dos seus elementos essenciais, já há muito tempo, e fica cada vez menor a cada vez que o STF decide alguma coisa ou algum ministro abre a boca para nos instruir a respeito de como o país tem de funcionar. É assim porque o defeito não está no Brasil. Está no STF. Não é mais um tribunal de justiça. É apenas federal e, principalmente, supremo.
A falsificação mais espetacular, dentro desta miragem toda, é a ideia geral de que o STF, no fundo, é bem-intencionado, mas talvez “exagere” um pouco no seu “zelo” e se equivoque quanto aos “limites de suas funções”. Só que não há exagero, não há excesso e sobretudo não há nenhum equívoco. O Supremo se convenceu, e as realidades provam que tem todas as razões para se convencer, de que são os ministros os únicos autorizados a governar o Brasil. É assim mesmo que acha certo. É assim mesmo, exatamente, que acha que deve ser, hoje e sempre.
O presidente do STF decidiu que é ele quem tem de decidir sobre o uso obrigatório de câmeras nos uniformes dos policiais de São Paulo. O ministro Dino já se meteu nos preços das covas de cemitério, também em São Paulo. Já decidiram sobre o traçado de ferrovias no Mato Grosso, quantos gramas de maconha (fêmea) você pode levar no seu bolso ou que o batom, quando usado para pichar estátuas em Brasília, é arma com “substância inflamável”. Nada disso é por engano. É porque o STF quer que seja assim.
Os ministros querem que seja assim porque descobriram que dessa maneira eles governam o Brasil sem ter o incômodo de receber um único voto em eleições livres, populares e universais. Formou-se “maioria”, entre os árbitros do certo e errado, decretando que isso é indispensável para “salvar a democracia”. Executivo e Legislativo que fiquem aí saqueando o Orçamento Federal (também sob nossa supervisão) e metendo a mão no Erário Público, mas quem manda, mesmo, somos nós, o STF. O resto é análise.
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