Três pessoas próximas de Jair Bolsonaro (PL) foram presas nos primeiros cinco meses deste ano, após o ex-presidente deixar o comando do Executivo Federal e Luiz Inácio Lula da Silva assumir o governo. Anderson Torres, Mauro Cid e Ailton Gonçalves Barros têm em comum o fato de terem participado da gestão passada ou serem próximos de Bolsonaro, e acabarem investigados e presos no âmbito de inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal nos quais o próprio ex-presidente é citado ou alvo direto das investigações.
Dos três, apenas Torres conseguiu o direito de responder às investigações em liberdade. Ele foi ministro da Justiça de Bolsonaro e secretário de Segurança Pública do atual governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), recentemente restituído ao cargo. Torres passou 117 dias preso preventivamente, suspeito de ter contribuído com atos antidemocráticos, em especial o 8 de janeiro. No dia 12 de janeiro, a Polícia Federal apreendeu em sua casa uma “minuta do golpe” - documento pronto que Bolsonaro poderia assinar para decretar estado de defesa no País.
Como requisito para poder permanecer em liberdade, Torres, que é delegado da Polícia Federal, está usando tornozeleira eletrônica e teve seu porte de arma cassado. Ele também não pode retomar suas redes sociais, fazer contato com outros investigados ou sair do País. A defesa do ex-ministro da Justiça apresentou vários pedidos de revogação da prisão. Na decisão de 11 de maio, Moraes soltou Torres sob o argumento de que “a necessária compatibilização entre a Justiça penal e o direito de liberdade demonstra que a eficácia da prisão preventiva já alcançou sua finalidade, com a efetiva realização de novas diligências policiais, que encontravam-se pendentes em 20 de abril de 2023″.
O tenente-coronel Mauro Cid e o major Ailton Gonçalves Barros foram presos preventivamente no último dia 3, no âmbito da Operação Venire, a mesma que apreendeu o celular de Bolsonaro. Os dois são suspeitos de fraudar o sistema de controle vacinal do Sistema Único de Saúde (SUS) e terem colaborado na falsificação dos cartões de vacina do ex-presidente e de sua filha mais nova. Bolsonaro alega que não tomou nenhum imunizante contra a covid-19, mas duas doses foram registradas, como se ele tivesse se vacinado em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
As acusações sobre os dois militares são distintas. Mauro Cid trabalhou durante a gestão passada como ajudante de ordens. Na prática, ele atuava como um “faz-tudo” e era bastante próximo de Bolsonaro. Além do cartão de vacinação, Cid é investigado ainda por participar do esquema que tentou trazer joias da Arábia Saudita para o casal Jair e Michelle Bolsonaro, revelado pelo Estadão.
A Polícia Federal também interceptou áudios nos quais o tenente-coronel se mostra preocupado com a repercussão de um suposto esquema de rachadinhas envolvendo a ex-primeira-dama.
Expulsão do Exército
Ailton Gonçalves Barros - major expulso do Exército em 2006 por abuso e desacato - se apresentava na eleição passada como “01 de Bolsonaro”; ele uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio e chegou à suplência (pode vir a assumir o mandato no caso de outro integrante do PL se afastar). A suspeita da Polícia Federal é de que ele teria contribuído com a suposta fraude nos cartões de vacinação de Bolsonaro e sua filha, agindo como uma ponte entre Brasília e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
Em uma troca de mensagens com Mauro Cid, Barros disse saber quem é o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, executada a tiros em março de 2016 junto com o motorista Anderson Gomes. O crime ainda não foi solucionado pelas autoridades.
Cerco se fecha
As três prisões reforçam o cenário de que o cerco em torno do ex-presidente vai se fechando. Alvo de sete inquéritos na Polícia Federal, sob jurisdição do Supremo e relatoria do ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro é investigado por fraude em cartões de vacinação, crimes contra a saúde pública na gestão da pandemia, incitação a atos antidemocráticos, vazamento de documentos sigilosos de investigações, ataques a ministros do STF e interferência no comando da PF. No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, a ação mais avançada é a que apura a reunião convocada por Bolsonaro com embaixadores de diversos países, no ano passado, para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Tal julgamento pode deixar o ex-presidente inelegível por oito anos.
Além disso, há investigações contra Bolsonaro fora de Brasília, como o caso das joias, que é acompanhado pela Justiça Federal em Guarulhos. Reveladas pelo Estadão, as compras sob suspeita na Funai, incluindo o sumiço de bistecas, aquisições inadequadas e superfaturadas como de sardinha em lata e linguiça para indígenas yanomami também originaram um inquérito na Polícia Federal, mas ainda sem alvo definido.
No que diz respeito a ações criminais, Bolsonaro é réu em duas, sobre o episódio em que disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que “não a estupraria porque ela não merece”.
O mais próximo que as diligências de investigação chegaram do ex-presidente foi no episódio que levou à apreensão de seu celular, no dia 3 de maio, durante diligências da Operação Venire, da Polícia Federal, que trata das fraudes nos cartões de vacina.
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