Comandante do Exército entre março e dezembro de 2022, o general Marco Antônio Freire Gomes ameaçou prender Jair Bolsonaro (PL) caso o então presidente insistisse no plano de dar um golpe de Estado para permanecer no poder após perder as eleições daquele ano. Freire Gomes depôs por quase oito horas à Polícia Federal (PF) em março, na condição de testemunha.
Os depoimentos dele, do comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, e do tenente-coronel e delator Mauro Cid, do ex-ajudante de ordens da Presidência, fazem parte da investigação que deflagrou a Operação Tempus Veritatis, que apurou a tentativa golpista e indiciou o ex-presidente e mais 36 suspeitos de envolvimento na trama na última quinta-feira, 21, após a finalização do inquérito.
Os dois comandantes afirmaram que se recusaram a participar da conspiração apresentada por Bolsonaro, quando o então presidente reuniu os chefes das Forças Armadas no Palácio do Alvorada no dia 7 de dezembro de 2022, para apresentar instrumentos jurídicos que permitiriam um golpe – a minuta golpista, apreendida na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, em janeiro deste ano.
Foi o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, um dos indiciados na última semana, quem “leu os considerandos e fundamentos jurídicos da minuta”, narrou Freire Gomes. Ele também afirmou que o assunto da reunião não foi informado quando convocada.
O comandante disse em depoimento que “sempre deixou evidenciado ao então presidente que o Exército não participaria da implementação desses institutos visando reverter o processo eleitoral” e que Bolsonaro “não teria suporte jurídico” para anular o resultado da eleição.
Já o chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria colocado suas tropas à disposição do ex-presidente – em depoimento à PF, o almirante escolheu ficar em silêncio.
Um segundo encontro convocado pelo general Paulo Sérgio de Oliveira, então ministro da Defesa, ocorreu em 14 de dezembro de 2022. Na reunião, em seu gabinete, quando a hipótese do golpe de Estado – por meio de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estado de defesa ou estado de sítio – foi aventada, Freire Gomes afirmou que “caso tentasse tal ato, teria que prender o presidente da República”. Quem narrou a cena foi o comandante da Aeronáutica, em depoimento. Freire Gomes na própria oitiva disse que “qualquer atitude, conforme as propostas, poderia resultar na responsabilização penal do então presidente da República”.
“Esclarece que sempre posicionou que o Exército não atuaria em tais situações; que inclusive chegou a esclarecer ao então presidente da República Jair Bolsonaro que não haveria mais o que fazer em relação ao resultado das eleições e que qualquer atitude, conforme as propostas, poderia resultar na responsabilização penal do então Presidente da República; Indagado se em alguma reunião com o então presidente jair Bolsonaro o depoente deixou claro que nenhum instituto jurídico que decretasse serviria para mantê-lo no poder após o término de seu mandato, respondeu que sempre externou ao então presidente da República, nas condições apresentadas, do ponto de vista militar não haveria possibilidade de reverter o resultado das eleições”, diz trecho do depoimento do ex-comandante do Exército.
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Após não embarcar na ideia de golpe, que incluía um plano para matar Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente eleito, seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – Freire Gomes foi chamado de “cagão” pelo general Walter Braga Netto, vice de chapa derrotado junto com Bolsonaro nas eleições daquele ano. Braga Netto afirmou neste sábado, 23, que nunca houve tratativas para se dar golpe de Estado e negou a existência de um plano para assassinar autoridades.
Segundo a investigação da PF, o ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro liderou uma campanha velada, mas agressiva, de pressão a oficiais das Forças Armadas que rejeitaram aderir ao plano golpista. Em uma troca de mensagens em dezembro de 2022 com o capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, Braga Netto afirmou que a “culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes” e acrescentou que “omissão e indecisão não cabem a um combatente”, se referindo à negativa do comandante em anuir com o golpe. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, disse o então ministro.
Ailton, capitão expulso do Exército, foi preso na investigação sobre fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente e também foi indiciado na última semana pela conspiração. Em fevereiro deste ano, quando intimado para prestar depoimento, decidiu ficar em silêncio. A defesa dele não foi encontrada para comentar o caso e o espaço segue aberto.
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