Jetons em SP incluem PM que convocou para 7 de setembro, cunhado de Tarcísio e aliados de Bolsonaro

Gestão estadual gasta R$ 2,3 milhões em gratificações por mês; beneficiários vão desde apadrinhados políticos até militares e vereador condenado por porte ilegal de arma de fogo. Governo diz que integrantes dos colegiados são eleitos e que nomeações respeitam a legislação

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Foto do author Guilherme Caetano

SÃO PAULO E BRASÍLIA – O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), cuja gestão tem sido marcada por austeridade, cortes de gastos e privatizações, desembolsa mensalmente R$ 2,3 milhões em remunerações extras para integrantes de conselhos e comitês de fundações, autarquias e empresas estatais. Entre os beneficiados estão o cunhado do governador, egressos do governo Jair Bolsonaro (PL), secretários da atual gestão, apadrinhados políticos e militares.

Os dados foram obtidos em outubro pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação. Esses pagamentos são conhecidos como “jetons” e não são considerados salários, segundo orientações do Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Portanto, a prática não é considerada ilegal.

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) Foto: Célio Messias/Governo do Estado

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Procurado, o governo de São Paulo afirmou que “os representantes dos conselhos estaduais são eleitos e têm mandatos definidos por assembleias ordinárias, sendo todas as nomeações realizadas de acordo com a legislação vigente”.

“A remuneração de conselheiros obedece à Deliberação do Codec (Conselho de Defesa dos Capitais). Há reiteradas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado, Tribunal de Contas do Estado e Supremo Tribunal Federal de que o valor pago por participação em conselhos não é considerado como salário, e sim verba de representação. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 1.485 – DF, consolidou o entendimento de que é permitido aos agentes públicos acumularem ao salário as gratificações recebidas pela participação em reuniões de conselhos estaduais”, afirmou o governo, em nota.

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Cerca de 90% do valor dos jetons é destinado a conselhos e comitês de empresas estatais. Entre elas estão, por exemplo, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), a Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (Emae) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

Um dos beneficiados é o militar da reserva Maurício Pozzobon Martins, cunhado do governador, que fatura R$ 16,1 mil como membro do comitê de auditoria da agência de fomento Desenvolve SP. No início de seu governo, Tarcísio tentou nomear Pozzobon, casado com a irmã da primeira-dama, como seu assessor especial no Palácio dos Bandeirantes, mas recuou diante da repercussão negativa.

O jetom de Pozzobon se soma ao salário que ele recebe como funcionário do gabinete do deputado estadual Danilo Campetti, que assumiu uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em junho deste ano após articulação direta de Tarcísio. Na Alesp, Pozzobon tem uma remuneração de R$ 20,5 mil. Procurado, ele afirmou que “trata-se de cargo sem vínculo empregatício, que não conflita com as suas atividades na Alesp”.

Outro contemplado com jetom é o coronel Aleksander Toaldo Lacerda, chefe de batalhões da Polícia Militar que ficou conhecido por convocar “amigos” para a manifestação bolsonarista de 7 de Setembro de 2021 e atacar o Supremo Tribunal Federal, abrindo uma crise na corporação. Como revelou o Estadão na época, o coronel publicou em sua conta no Facebook frases como: “liberdade não se ganha, se toma” e “nenhum liberal de talco no bumbum” consegue “derrubar a hegemonia esquerdista no Brasil”. Ele também afirmou: “Precisamos de um tanque, não de um carrinho de sorvete”. Sobre o 7 de Setembro, escreveu que o “caldo vai esquentar”. Em outro momento, declarou sentir “nojo” do STF. Após a revelação do caso pelo Estadão, o coronel foi desligado do posto por indisciplina.

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Lacerda foi nomeado conselheiro titular do conselho fiscal da São Paulo Previdência (SPPREV) em dezembro de 2023, durante a gestão de Tarcísio, com uma gratificação mensal de R$ 3,8 mil. Procurado, ele não foi encontrado para se manifestar.

A lista de beneficiados com jetons no governo Tarcísio inclui também políticos, como o vereador de Piracicaba, Laércio Trevisan Júnior (PL), condenado em 2022 por porte ilegal de arma de fogo. Ele ocupa uma vaga no conselho de administração da SPPREV e, este ano, participou de uma agenda do então candidato a prefeito Helinho Zanatta (PSD) ao lado do governador.

Em nota, o vereador disse que foi indicado ao posto pela Federação dos Sindicatos dos Servidores do Estado de São Paulo e representa servidores de três universidades: USP, Unicamp e Unesp. “Possuo todas as exigências para ser indicado como representante de classe: ser presidente de entidade, ter mais de 20 anos no serviço público, ter pós-graduação, curso de capacitação na área de previdência”, afirmou ele, acrescentando que houve extinção da punibilidade em razão do pagamento de multa.

Dez dos 25 membros do primeiro escalão do governo paulista turbinam seus salários com R$ 157,9 mil com essas gratificações extras. Nos 305 postos em estatais e 192 em fundações, há dezenas de servidores ligados diretamente ao secretariado de Tarcísio, incluindo chefes de gabinete, assessores, subsecretários e os próprios titulares das pastas.

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Os secretários Arthur Lima (Casa Civil), Samuel Kinoshita (Fazenda), Guilherme Afif Domingos (Projetos Estratégicos) e Andrezza Rosalém (Desenvolvimento Social) recebem as maiores bonificações, de R$ 19,7 mil. Jorge Lima (Desenvolvimento Econômico) vem em seguida, com R$ 16,5 mil. Guilherme Derrite (Segurança Pública) recebe R$ 13,2 mil em gratificações. Ele ocupa funções em três estatais — Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e Metrô — mas, nesta última, por ser suplente, não há remuneração.

Wagner Rosário (Controlador Geral do Estado), assim como Derrite, também acumula R$ 13,2 mil em gratificações. Depois dele, recebendo R$ 9,8 mil, estão Lais Vita (Comunicação), Marco Antônio Assalve (Transportes Metropolitanos) e Rafael Benini (Parcerias em Investimentos). Marília Marton (Cultura e Economia Criativa) ganha R$ 6,5 mil. Já Vahan Agopyan (Ciência, Tecnologia e Inovação) ocupa função no comitê de elegibilidade do IPT, que não confere remuneração.

Kinoshita é um dos secretários que mais emplacaram penduricalhos aos salários dos subordinados. Diversos deles, como o secretário-executivo da pasta, Rogério Campos, o coordenador de Atividades Descentralizadas, Fabio Bernacchi Maia, o subsecretário de Planejamento, Rodrigo Bezerra da Silva, e o coordenador de Tecnologia e Administração, Maurício Barutti de Oliveira, recebem jetons que somam de R$ 6,6 mil a R$ 9,8 mil.

Alguns conselheiros empilham funções. O Estadão identificou quatro pessoas ocupando quatro funções em órgãos diferentes, outras quatro delas com três funções simultâneas (entre elas Derrite e Rosário), e 52 com posições em dois conselhos distintos.

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Os cargos de membro de comitês de auditorias são os mais visados, pois conferem uma remuneração de R$ 16.454,48. Conselheiros de administração recebem R$ 9.872,69, e membros de conselhos fiscais, R$ 6.581,79. Membros de comitês de elegibilidade e de orientação não são remunerados.

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