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A banalidade autoritária

‘Sem liberdade de imprensa, além de acuados, estaremos perdidos’

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Ninguém que defenda a democracia pode considerar normal a banalidade com que se tem invocado a edição de um novo AI-5. Com o AI-5, o Congresso foi fechado, o presidente da República foi autorizado a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens e intervir nos Estados e municípios. A liberdade de imprensa e de expressão foi extinta. Essa é a verdade dos fatos. Escondê-la é distorcer a realidade, é fabricar fake news. 

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Autor do recém-lançado Existe democracia sem verdade factual? (Estação da Letra e Cores Editora), no qual dialoga sobre o impacto da desinformação no debate público com o pensamento da filósofa Hannah Arendt, criadora da teoria da “banalidade do mal”, Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, faz uma analogia entre a tentativa de negar a verdade dos fatos e a ameaça ao estado democrático de direito. 

À coluna, Bucci lembrou que a democracia é uma construção histórica, um engenho social, um projeto humano. “Sem cuidados, ela pode perder vigor e desaparecer. A democracia existe porque existiram e existem seres humanos que cuidam dela, com muito trabalho. Sem eles, nada feito.” 

Para existir a democracia, é preciso haver liberdade de expressão e de imprensa. Mas até quando a liberdade de imprensa e de expressão sobreviverá à ameaça de soluções autoritárias, como a da volta do AI-5, ou à tentativa de banalização do uso das Forças Armadas em conflitos urbanos e rurais, que podem esconder intervenções nos Estados e quebra do princípio federativo? 

Bucci observa que no Brasil e em outros países aumentam a atividade e o espaço dos que trabalham contra e combatem as liberdades individuais, os direitos fundamentais, as conquistas sociais, a tolerância, o pluralismo e a cultura de paz, valores que servem de balizas civilizatórias. “A democracia ainda está aí, as instituições estão funcionando, mas as ameaças contra ela se avolumam.” 

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Nesse contexto, os primeiros ataques tentam atingir a liberdade de imprensa – a frente mais frágil e mais visível das sociedades democráticas, diz Bucci. “No Brasil, o clima de ameaças se tornou escancarado. Artistas são xingados e execrados. As universidades sofrem infâmias diárias, como a de que não passam de centro de consumo e de produção de drogas. Por que isso? Porque na universidade há pensamento livre, coisa que os autoritários não suportam. E porque nas artes há imaginação à solta, coisa que os apavora. Mas é contra a imprensa que se detonam os bombardeios mais baixos e mais covardes, incluindo intimidações pessoais, ameaças de morte e de prisão, chantagens e tentativas, vindas do Estado, de quebrar o negócio de órgãos jornalísticos.” 

Para Bucci, não há nada mais frágil do que a verdade factual, mas, ao mesmo tempo, não há nada que o autoritarismo mais tema. “Cerremos fileiras com a liberdade de imprensa. Se ela cair, todo o resto cairá logo em seguida. Se queremos uma democracia que não dobre os joelhos, queremos uma imprensa incômoda, independente e sustentável. A liberdade de imprensa será o fiel da balança no Brasil de agora, como já foi no passado. Sem ela, além de acuados, estaremos perdidos.” 

Despedida

Esta é minha última coluna. A intenção, ao pedir a Eugênio Bucci que falasse sobre a liberdade de imprensa para o texto de despedida, foi lembrar que essa liberdade sofre ameaças muito sérias. Entendo que Bucci, ao lado do ex-presidente do STF Ayres Britto, e de veículos de comunicação como o Estado, simbolizam, cada um em seu espaço, a luta pela liberdade de expressão. Que, em resumo, é a defesa da democracia. E a garantia da liberdade. 

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