Lula desembarcou num território que tem 2.500 quilômetros de fronteira com a Rússia. Tomo a imagem emprestada de uma reportagem publicada no jornal português Expresso. “Vladimir Putin provavelmente não desejava isso, mas conseguiu unir toda a Europa contra ele”, diz a escritora e jornalista Ana França, autora da reportagem. No minipodcast da semana, ela fala sobre o livro que acaba de lançar, em forma de diário, sobre a guerra na Ucrânia.
A entrada da Finlândia consolidou a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan – daí a fronteira de 2.500 quilômetros. A Suécia deve seguir o mesmo caminho. Em tese, se Putin agredir qualquer país dessa Europa unida e expandida, todos terão que reagir – incluindo Portugal, que tem uma enorme comunidade de imigrantes ucranianos.
Para Ana França, a existência de um inimigo comum varreu divergências entre os países do continente: “A Hungria acaba de aprovar uma lei que permite denúncias anônimas contra casais homossexuais. Como é possível um país se afastar tanto dos valores europeus?”. Para ela, tais absurdos repercutem menos do que deveriam diante da união contra um mal maior.
União que, segundo sua visão, é necessária. “A Ucrânia não teria como reagir sozinha, e não podemos deixar que um país redesenhe as fronteiras pela força em pleno 2023″, diz Ana França. “Não faço ideia, não tenho como saber se Putin não avançaria para a Polônia e para os países bálticos.”
O território do lado de cá dos 2.500 quilômetros fechou questão contra Putin – e por isso caiu tão mal a afirmação de Lula culpando os europeus pela guerra. Especialmente em países governados pela esquerda, como Portugal e Espanha, que Lula irá visitar. Na Europa, o autocrata russo é visto como sócio e incentivador da ultradireita. O italiano Matteo Salvini – que se recusa a celebrar o feriado que marca a vitória dos aliados contra o fascista Benito Mussolini – já saiu à rua com uma camiseta estampada com o rosto de Putin.
Os europeus têm dificuldade em decifrar Lula. O presidente brasileiro votou a favor de uma resolução da ONU que aponta a Rússia como Estado agressor e assinou uma declaração contra Putin junto com Joe Biden. Nesta semana, recebeu o chanceler Sergei Lavrov e não contestou sua afirmação de que Brasil e Rússia tinham “visões similares” sobre a guerra. Em qual dos dois Lulas eles devem acreditar? Lula lá ou Lula cá?
Na viagem a Portugal e Espanha, a imprensa europeia certamente vai querer saber de que lado da fronteira – os tais 2.500 quilômetros que separam mundos tão distintos – está o presidente brasileiro.
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