Ir a Madrid é uma experiência saborosa, pelos bares de tapas que não fecham nunca, e insone, pelo barulho das ruas cheias em torno do hotel. Em ano eleitoral, as ruas se enchem também durante o dia, em manifestações que reúnem multidões. No domingo passado, mais de meio milhão de pessoas se aglomeraram em torno da Praça Cibeles. Elas protestavam contra cortes na área de saúde e fechamento de hospitais públicos.
Se há algo que Brasil e Espanha têm em comum é a força de sua sociedade civil. “Na minha impressão individual, o engajamento de observadores nacionais e internacionais foi a grande marca do processo eleitoral brasileiro de 2022″, diz a cientista política Carla Luís, professora da Universidade de Coimbra. Ela foi uma das observadoras das eleições brasileiras pelo Carter Center, e é a entrevistada do minipodcast da semana.
Há muito tempo não havia tantos observadores internacionais numa eleição brasileira. Eles vieram no ano passado por causa do cenário conturbado. “Ao final, o Tribunal Superior Eleitoral fez um excelente trabalho, ao criar uma área de transparência na qual universidades, ONGs e partidos puderam acompanhar tudo e dar sugestões”, diz Carla Luís. “A rapidez com que os resultados foram divulgados também foi fundamental nesse contexto desafiador.”
Ela frisa que não existe uma receita universal para eleições. Cada país encontra a sua. A urna eletrônica e a supervisão do TSE, de acordo com Carla Luís, parecem adequadas ao contexto brasileiro. Num país com grandes distâncias, como o nosso, a apuração poderia demorar muito tempo se fosse manual. A coordenação do Judiciário, um Poder fora da luta eleitoral, é também útil para dar credibilidade ao processo.
A Espanha terá em maio eleições autonômicas – análogas às estaduais brasileiras – e, em dezembro, federais. Lá o voto é impresso. Os eleitores escolhem uma lista de candidatos de seu partido e a depositam na urna. Como as distâncias geográficas são pequenas e a apuração é eficiente, o resultado também sai de forma rápida.
A diferença entre Espanha e Brasil é que lá não há contestação do resultado das eleições – como é padrão, aliás, nas democracias desenvolvidas. Ao final, no entanto, a teoria conspiratória contra as urnas brasileiras só prosperou em bolsões extremistas. “A transparência do TSE e o escrutínio dos observadores ajudaram na percepção de lisura nas eleições”, diz Carla Luís.
Era um cenário desafiador, e nos saímos bem. A força da sociedade civil e a vibração nas ruas empurram para cima a nota de Brasil e Espanha nos rankings de democracia.
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