PUBLICIDADE

Sem fluência em inglês, Jorge Viana leva empresa de amigos para dar curso de planejamento na Apex

Presidente da agência de cooperação internacional conhece os coaches há mais de três décadas. Apex não viu irregularidade no convite dos amigos de Viana

Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente da Agência de Promoções de Exportação (Apex-Brasil), Jorge Viana (PT-AC), chamou uma empresa de amigos para dar oficina de planejamento estratégico a servidores da seleta área de comércio internacional da instituição. A empresa é registrada na Receita Federal como responsável por treinamentos, mas também com atividade como casa de festas e eventos. O trabalho na Apex-Brasil foi feito sem formalização de contrato, o que é considerado por especialistas irregular. A agência, porém, não viu impropriedade no convite aos amigos do presidente da instituição.

PUBLICIDADE

A Apex-Brasil dispõe de uma Gerência de Gestão Estratégica que faz planejamento, capacita os funcionários e cuida do aperfeiçoamento dos serviços, temas correlatos ao objeto da oficina realizada pelos amigos de Viana.

A H+K Desenvolvimento Humano e Institucional, empresa que organizou a oficina, é do casal Klaus Jurgen Shubert e Heloísa Canto Nogueira. Ele é economista, ela socióloga. Os dois conheceram Viana ainda na década de 1990. Nos últimos anos, a empresa do casal firmou uma série de contratos com prefeituras e governos estaduais nas gestões do PT.

Num texto sobre a oficina na Apex-Brasil publicado na internet, Jorge Viana escreveu que Heloisa e Klaus fariam uma “mediação luxuosa” com as equipes de servidores da instituição e registrou que os dois são seus “amigos de toda a vida”. “Vamos construir coletivamente um novo momento, dentro do que espera nosso governo Lula e Geraldo Alckmin e sempre com o foco na nossa missão principal que é ampliar as exportações do Brasil, promovendo o produto brasileiro e garantindo investimentos”, escreveu Viana.

Em uma série de reportagens, o Estadão revelou que Jorge Viana, sem fluência em inglês, operou uma mudança no estatuto da Apex-Brasil para retirar a obrigatoriedade do presidente da instituição ter o domínio do idioma. O jornal ainda mostrou que o ex-senador petista nomeou como assessores aliados que se apresentam nas redes sociais como mochileiro, cantor e arquiteto.

Klaus e Heloísa ministraram pessoalmente a oficina para os funcionários da Apex-Brasil num hotel de Brasília, nos últimos dias 12 e 13, sem um contrato formal, o que fere a legislação brasileira. A assessoria da Apex-Brasil naõ informa se o trabalho de consultoria foi remunerado nem se houve algum tipo de despesa custeada pela agência. A agência confirmou que os dois consultores foram convidados por Jorge Viana e sustentou que a oficina foi realizada pela própria Gerência de Gestão Estratégica da Apex-Brasil.

Curso de planejamento estratégico na Apex-Brasil foi ministrado por amigos de Jorge Viana Foto: Redes sociais

Também procurados pela reportagem, Klaus e Heloísa não se manifestaram.

Publicidade

Contratos

A empresa aberta em 1990 pertence no papel a Klaus e acumula contratos com a administração pública. Entre abril de 2014 a agosto de 2022, a empresa recebeu oficialmente mais de R$ 290 mil do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. Desse total, R$ 233 mil, cerca de 80%, foram recebidos pela empresa até 2016, durante o governo Dilma Rousseff. “A consultoria de processos da H+K busca propiciar a aprendizagem em equipe e aproveitando, ao máximo, a experiência e conhecimento instalados em cada instituição”, detalha texto do site da empresa.

Como pessoa física, Heloísa também já recebeu R$ 187 mil do governo federal, em 2014 e 2015. O valor foi pago sobretudo pela Enap, a escola de aperfeiçoamento da administração pública. A socióloga ministrou oficinas de planejamento estratégico no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ela ainda participou, na condição de colaboradora eventual, de reuniões de sistematização de planejamento com a então ministra da pasta, Tereza Campello, e o seu secretário Binho Marques, ex-governador do Acre.

Amizade

Viana conheceu Klaus e Heloisa quando participou de um curso organizado, nos anos 1990, pelo Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (Ildes), que representava a Fundação alemã Friedrich Ebert, atual FES-Brasil. Heloisa foi diretora do programa, e Klaus, representante da fundação. A H+K já também já atuou para o governo de Viana no Acre.

Segundo a Receita Federal, a H+K Desenvolvimento Humano e Institucional é uma empresa de pequeno porte que tem por atividade principal o treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial. A H+K também atua na organização de feiras, congressos e exposições. A empresa fica em uma casa no bairro Jardim Paulistano, em São Paulo, onde Heloísa e Klaus moram.

Sede da empresa H+K fica no bairro Jardim Paulista, em São Paulo Foto: Google Maps

Proibido

PUBLICIDADE

A Lei 8.666, de 1993, que regulamenta licitações e contratos da Administração Pública, proíbe a realização de serviços sem a realização de contratos. O regulamento de licitação da Apex abre uma brecha para contratos verbais em caso de “pequenas compras ou de prestação de serviços não superiores a R$ 10 mil”. Entretanto, as oficinas da H+K costumam valer muito mais que isso.

Em 2015, Klaus e Heloísa foram contratos pela Prefeitura de São Paulo, à época comandada por Fernando Haddad (PT), por R$ 50,4 mil (R$ 103,9 mil em valores atualizados). A dupla deu uma oficina de dois dias sobre planejamento estratégico para a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. Em 2007, o Tribunal de Justiça do Acre pagou R$ 5 mil (R$ 12.481 em valores atualizados) por uma oficina de 25 horas (tempo menor que a oficina na Apex-Brasil) da H+K.

“A não formalização de contrato pode ser uma irregularidade uma vez que os serviços sociais autônomos devem formalizar os seus contratos, com a identificação das partes, do objeto, do preço, mesmo que isso tenha sido feito ‘de graça’”, afirma a advogada Angelica Petian, especialista em direito administrativo do escritório Vernalha Pereira Advogados. “Não se admite contratos verbais.”

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.