BRASÍLIA - O presidente da Agência de Promoções de Exportação (Apex-Brasil), Jorge Viana (PT-AC), chamou uma empresa de amigos para dar oficina de planejamento estratégico a servidores da seleta área de comércio internacional da instituição. A empresa é registrada na Receita Federal como responsável por treinamentos, mas também com atividade como casa de festas e eventos. O trabalho na Apex-Brasil foi feito sem formalização de contrato, o que é considerado por especialistas irregular. A agência, porém, não viu impropriedade no convite aos amigos do presidente da instituição.
A Apex-Brasil dispõe de uma Gerência de Gestão Estratégica que faz planejamento, capacita os funcionários e cuida do aperfeiçoamento dos serviços, temas correlatos ao objeto da oficina realizada pelos amigos de Viana.
A H+K Desenvolvimento Humano e Institucional, empresa que organizou a oficina, é do casal Klaus Jurgen Shubert e Heloísa Canto Nogueira. Ele é economista, ela socióloga. Os dois conheceram Viana ainda na década de 1990. Nos últimos anos, a empresa do casal firmou uma série de contratos com prefeituras e governos estaduais nas gestões do PT.
Num texto sobre a oficina na Apex-Brasil publicado na internet, Jorge Viana escreveu que Heloisa e Klaus fariam uma “mediação luxuosa” com as equipes de servidores da instituição e registrou que os dois são seus “amigos de toda a vida”. “Vamos construir coletivamente um novo momento, dentro do que espera nosso governo Lula e Geraldo Alckmin e sempre com o foco na nossa missão principal que é ampliar as exportações do Brasil, promovendo o produto brasileiro e garantindo investimentos”, escreveu Viana.
Em uma série de reportagens, o Estadão revelou que Jorge Viana, sem fluência em inglês, operou uma mudança no estatuto da Apex-Brasil para retirar a obrigatoriedade do presidente da instituição ter o domínio do idioma. O jornal ainda mostrou que o ex-senador petista nomeou como assessores aliados que se apresentam nas redes sociais como mochileiro, cantor e arquiteto.
Klaus e Heloísa ministraram pessoalmente a oficina para os funcionários da Apex-Brasil num hotel de Brasília, nos últimos dias 12 e 13, sem um contrato formal, o que fere a legislação brasileira. A assessoria da Apex-Brasil naõ informa se o trabalho de consultoria foi remunerado nem se houve algum tipo de despesa custeada pela agência. A agência confirmou que os dois consultores foram convidados por Jorge Viana e sustentou que a oficina foi realizada pela própria Gerência de Gestão Estratégica da Apex-Brasil.
Também procurados pela reportagem, Klaus e Heloísa não se manifestaram.
Contratos
A empresa aberta em 1990 pertence no papel a Klaus e acumula contratos com a administração pública. Entre abril de 2014 a agosto de 2022, a empresa recebeu oficialmente mais de R$ 290 mil do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. Desse total, R$ 233 mil, cerca de 80%, foram recebidos pela empresa até 2016, durante o governo Dilma Rousseff. “A consultoria de processos da H+K busca propiciar a aprendizagem em equipe e aproveitando, ao máximo, a experiência e conhecimento instalados em cada instituição”, detalha texto do site da empresa.
Como pessoa física, Heloísa também já recebeu R$ 187 mil do governo federal, em 2014 e 2015. O valor foi pago sobretudo pela Enap, a escola de aperfeiçoamento da administração pública. A socióloga ministrou oficinas de planejamento estratégico no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ela ainda participou, na condição de colaboradora eventual, de reuniões de sistematização de planejamento com a então ministra da pasta, Tereza Campello, e o seu secretário Binho Marques, ex-governador do Acre.
Amizade
Viana conheceu Klaus e Heloisa quando participou de um curso organizado, nos anos 1990, pelo Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (Ildes), que representava a Fundação alemã Friedrich Ebert, atual FES-Brasil. Heloisa foi diretora do programa, e Klaus, representante da fundação. A H+K já também já atuou para o governo de Viana no Acre.
Segundo a Receita Federal, a H+K Desenvolvimento Humano e Institucional é uma empresa de pequeno porte que tem por atividade principal o treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial. A H+K também atua na organização de feiras, congressos e exposições. A empresa fica em uma casa no bairro Jardim Paulistano, em São Paulo, onde Heloísa e Klaus moram.
Proibido
A Lei 8.666, de 1993, que regulamenta licitações e contratos da Administração Pública, proíbe a realização de serviços sem a realização de contratos. O regulamento de licitação da Apex abre uma brecha para contratos verbais em caso de “pequenas compras ou de prestação de serviços não superiores a R$ 10 mil”. Entretanto, as oficinas da H+K costumam valer muito mais que isso.
Em 2015, Klaus e Heloísa foram contratos pela Prefeitura de São Paulo, à época comandada por Fernando Haddad (PT), por R$ 50,4 mil (R$ 103,9 mil em valores atualizados). A dupla deu uma oficina de dois dias sobre planejamento estratégico para a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. Em 2007, o Tribunal de Justiça do Acre pagou R$ 5 mil (R$ 12.481 em valores atualizados) por uma oficina de 25 horas (tempo menor que a oficina na Apex-Brasil) da H+K.
“A não formalização de contrato pode ser uma irregularidade uma vez que os serviços sociais autônomos devem formalizar os seus contratos, com a identificação das partes, do objeto, do preço, mesmo que isso tenha sido feito ‘de graça’”, afirma a advogada Angelica Petian, especialista em direito administrativo do escritório Vernalha Pereira Advogados. “Não se admite contratos verbais.”
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