Juíza vê ‘fatos graves’ em reportagem do Estadão sobre royalties e aciona MPF

Magistrada mandou, de ofício, anexar reportagem; especialistas questionam legalidade de contratos de associação com advogados

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Foto do author Gustavo Queiroz
Atualização:

SÃO PAULO – A juíza federal da 1.ª Vara de Niterói, Helena Elias Pinto, afirmou ver “fatos graves” em reportagem do Estadão a respeito do uso de uma entidade sem fins lucrativos para representar municípios em disputas bilionárias por royalties do petróleo. Em despacho, a magistrada abriu espaço para manifestação do Ministério Público Federal (MPF) em relação ao tema.

Helena é responsável por julgar, em primeira instância, uma ação da prefeitura de Niterói (RJ) contra uma mudança na partilha de royalties do petróleo que reduziria os repasses ao município. A alteração nos pagamentos foi provocada por uma ação dos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim, todos no Rio, em que obtiveram na Justiça Federal, em Brasília, uma decisão para enquadrá-los na partilha dos royalties.

Reprodução da decisão judicial Foto: reprodução

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Com a decisão, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) foi obrigada a pagar R$ 639 milhões às três cidades, que foram descontados de repasses que antes seriam destinados a Niterói, Rio de Janeiro e Magé.

Especialistas em Direito Penal e Administrativo questionam a legalidade do uso de uma associação sem fins lucrativos para captar clientes entre municípios em ações bilionárias pelo enquadramento na partilha dos royalties do petróleo. Eles também veem uma possível ilegalidade na subcontratação de escritórios de advocacia em casos nos quais a entidade e as bancas são contratadas sem licitação.

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A magistrada fluminense já havia atendido a um pedido da prefeitura de Niterói e suspendido a mudança dos repasses que havia sido decidida pela Justiça em Brasília. A decisão de primeira instância, no entanto, fora cassada pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) Messod Azulay. Nesta quinta-feira, 15, Azulay recuou em sua decisão após tomar conhecimento de que a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu a decisão da Justiça Federal em Brasília.

Atual presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura durante sessão plenária do TSE Foto: Roberto Jayme/TSE

No domingo passado, 11, o Estadão mostrou que São Gonçalo, Magé e Guapimirim contrataram a associação Nupec e o escritório do advogado Djaci Falcão Neto, filho do ministro Francisco Falcão, do STJ. Os contratos são investigados pelo Ministério Público do Rio.

O Estadão apurou que a entidade e associados podem faturar até R$ R$ 300 milhões em royalties em contratos sem licitação com municípios que preveem 20% em honorários em caso de êxito. Além de Djaci, fazem parte dos associados da Nupec Hercílio Binato, genro do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e Vinícius Gonçalves Peixoto, que é alvo da Operação Lava Jato do Rio.

Plataforma de exploração de petróleo na Baía de Guanabara, no Rio Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Após a publicação da reportagem, nesta quinta-feira, 15, a juíza de Niterói determinou que se junte aos autos da ação da cidade contra São Gonçalo, Maricá e Magé a reportagem do Estadão. A decisão foi tomada de ofício, ou seja, sem atender a um pedido das partes no processo. “Tendo em vista a matéria publicada no jornal ‘O Estado de S. Paulo’ neste último domingo sobre o tema ‘exploração de petróleo e gás’, e a gravidade dos fatos ali noticiados, que se relacionam em tese com o tema dos presentes autos, providencie a secretaria deste juízo a juntada da cópia da reportagem”, escreveu Helena. No mesmo despacho, a magistrada mandou o MPF e os municípios se manifestarem.

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Legalidade questionada

O Estadão mostrou que o MP do Rio e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) investigam contratos sem licitação firmados pela Nupec (associação sem fins lucrativos) e bancas de advogados para mover ações em nome de municípios para enquadrá-los na partilha dos royalties. Decisões judiciais a favor dessas prefeituras geraram pagamentos de R$ 1,5 bilhão às cidades.

Parte dos contratos sob investigação foi firmada sem licitação. Em outra parte, houve certame, que chegou a contar com apenas um concorrente.

Sob condição de não comentar casos específicos ou a atuação dos parentes do Judiciário, especialistas veem irregularidades e até crimes no uso da associação para a captação de clientes de advocacia remunerada. O Estadão obteve acesso a pelo menos três precedentes que punem o uso de associações como se fossem bancas de advocacia na Justiça e no Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo Carlos Kauffmann afirmou que há indícios de “exercício ilegal” da advocacia por parte da entidade. “O estatuto é destinado aos advogados. A entidade não se submete ao estatuto. Se submete às leis. Existe o exercício ilegal da profissão”, diz.

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“Nenhuma entidade que não seja escritório de advocacia devidamente inscrito e regulado na OAB pode ser contratada para prestar serviços de advocacia. Nenhuma entidade pode receber procuração para prestar serviços jurídicos. Portanto, ela não pode repassar procuração para prestar serviços jurídicos”, afirma. Segundo Kauffmann, “fere o estatuto o advogado que se usa dessas entidades para angariar clientes e prestar serviços jurídicos”.

O ex-controlador-geral da União Valdir Simão diz que, nos casos em que a contratação é feita sem licitação, e justificada pela especialização das bancas de advocacia, “não faria sentido haver terceirização da atividade finalística, para a qual o profissional de notório saber foi contratado”. “Como é que o município vai remunerar depois esse profissional que prestou serviço sem o contrato? Em tese, isso é uma irregularidade, porque aquele que representa o município, além da procuração, tem de estar também munido de um contrato com a administração pública que dê a ele poderes para representá-la”, afirma.

Investigações do TCE ressaltaram o fato da Nupec ter em seus quadros um advogado que foi condenado à proibição de contratar com o poder público justamente em razão de irregularidades anos atrás envolvendo a defesa de municípios pelo enquadramento nos royalties.

Simão ainda afirma que, com a condenação, o advogado “não poderá atuar, mesmo que de forma indireta”. “O processo de contratação ou licitação pode ter sido irregular. Se houve condenação transitada em julgado em ação de improbidade administrativa, a sanção continua valendo. Esse foi o entendimento do STF em relação à retroatividade das alterações na lei de improbidade”, diz.

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Já o procurador regional da República Bruno Calabrich afirma ser “inusual” a contratação de uma associação para serviços advocatícios. “Você contrata um escritório. Talvez uma associação pudesse te encaminhar para uma contratação, mas via associação não é uma coisa comum”.

Em nota, a Nupec afirma que, “por meio de seu corpo jurídico, a instituição é uma das poucas especializada em Direito Regulatório de Petróleo e Gás Natural, notadamente o enquadramento de entes públicos em novas hipóteses de recebimento de royalties do petróleo e gás natural, que são denegadas e sonegadas pela Agência Nacional do Petróleo”.

Segundo a associação, o “objeto do contrato com a administração pública consiste em serviço técnico especializado de natureza singular”, o que é autorizado pela Lei de Licitações e encontra precedentes no STF e em tribunais de contas dos estados. A entidade ainda ressalta que os valores dos contratos “observam o valor praticado pelo mercado, conforme tabela de honorários da OAB e resoluções dos Tribunais de Contas”.

A Nupec ressalta que sua remuneração se dá a partir do êxito nas ações, o que está previsto no Código de Ética da OAB.

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