RIO – O ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), rebateu os principais argumentos da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na ação que pode tornar o ex-chefe do Executivo inelegível por oito anos. Um dos pontos em questão trata da chamada “minuta golpista”.
Para a defesa do ex-presidente, novas provas, como é o caso do documento, não poderiam ser analisadas no decorrer do processo. No início do voto, o magistrado afastou essa tese.
O julgamento analisa a reunião convocada por Bolsonaro, então presidente, com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, para disseminar informações falsas sobre o sistema de votação brasileiro e as urnas eletrônicas.
Abaixo, veja o que disse o ministro ao rechaçar as linhas de argumentação da defesa de Bolsonaro.
Incompetência do TSE
Os advogados do ex-presidente questionaram a competência da Justiça Eleitoral para analisar o caso, sob a alegação de que o evento não teria conteúdo eleitoral e teria sido convocado por Bolsonaro na condição de presidente, constando da agenda oficial do chefe do Executivo.
Gonçalves alegou no voto que a questão não merecia ser analisada porque já foram rejeitadas em decisão do plenário. O colegiado do TSE confirmou a competência da Corte para julgar a ação de investigação eleitoral movida pelo PDT contra o presidente e o general Braga Netto, vice na chapa de Bolsonaro.
Ao analisar o questionamento sobre a possibilidade de o TSE analisar a ação movida contra Bolsonaro e Braga Netto, o ministro Benedito Gonçalves destacou que a Justiça Eleitoral é competente para apurar desvios de finalidade de atos praticados por agentes públicos, inclusive na condição de chefe de Estado, “quando da narrativa se estrai que o mandatário se valeu do cargo para produzir vantagens eleitorais para si ou para terceiros”.
Minuta golpista
Um dos primeiros pontos abordados pelo ministro foi a inclusão, no rol de provas do processo, da minuta golpista apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres para decretar uma intervenção no TSE e anular o resultado da eleição.
“Em 14 do 2 de 2023, o Tribunal, mais uma vez por unanimidade, confirmou que os limites da controvérsia que já estavam fixados em decisão de saneamento e organização do processo comportava o conhecimento de fatos consistentes na apreensão de minuta de decreto de estado de defesa na residência de Anderson Torres e a consequência juntada do documento novo, conforme extensa fundamentação exposta. Esses elementos têm correlação estrita a causa de pedir e a gravidade da conduta, isso porque desde a inicial o autor alega que os investigados tinham como estratégia política eleitoral induzir descrédito ao resultado do pleito de 2022″, afirmou o ministro.
O documento previa a criação de uma comissão, formada por Bolsonaro e por representantes do Ministério da Defesa, para fiscalizar o TSE, afastar ministros e tornar sem efeito a vitória de Lula.
A defesa de Bolsonaro resgatou um julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017, para tentar excluir a minuta da ação. Na ocasião, o TSE proibiu a juntada de provas da Lava Jato ao processo contra a petista e seu então vice.
“São duas situações totalmente distintas”, rebateu o ministro.
Reunião com embaixadores
O advogado de defesa do ex-presidente sustentou que Bolsonaro estava resguardado pela liberdade de expressão durante a reunião com embaixadores e que “a exposição de pontos de dúvidas à comunidade internacional, em evento público constante de agenda oficial de Chefe de Estado soberano, foi no afã de aprimorar o processo de fiscalização e transparência do processo eleitoral”.
Segundo advogado do ex-presidente, Tarcísio Vieira, Bolsonaro teria abordado, “de forma legítima”, o debate sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e que suas manifestações respeitaram os limites da liberdade de expressão. Segundo a defesa, não existem “provas contundentes do prejuízo ao processo eleitoral”, mas apenas “considerações vagas e imprecisas acerca da eventual gravidade do discurso apresentado aos embaixadores”.
Benedito Gonçalves rebateu os argumentos e disse que o ex-presidente é o responsável “integral e pessoalmente” pela “concepção intelectual” da reunião com embaixadores.
“A prova produzida aponta para a conclusão de que Jair Messias Bolsonaro foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto desta ação. Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir “relações exteriores” (percepção distinta da que externou o Chanceler ao conceituar a matéria como “tema interno”), até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição (que parecem ter sido lamentadas pelo ex-Ministro Chefe da Casa Civil)”, diz o ministro no voto.
A defesa alegou ainda que a reunião com os embaixadores com Bolsonaro teria sido uma resposta ao encontro conduzido pelo então presidente do TSE, ministro Edson Fachin, com diplomatas estrangeiros sobre o processo eleitoral brasileiro. Gonçalves rebateu e afirmou que o ex-presidente faz uma “falsa simetria”.
“A competência privativa do Presidente da República se refere à representação do Brasil, por seu Chefe de Estado, nas relações entre os países propriamente ditos. Essa competência convive harmonicamente com diversas outras situações em que representantes brasileiros dialogam com representantes estrangeiros sobre temas variados, de interesse recíproco”, diz Gonçalves no voto.
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