BRASÍLIA - Enquanto a pandemia do novo coronavírus impõe uma crise econômica e causa desemprego em todo o País, Estados têm aberto o cofre para benefícios concedidos a procuradores, promotores e juízes. A relação de privilégios inclui “bônus-covid” de até R$ 1 mil para promotores e procuradores de Mato Grosso, licença-prêmio a juízes do Pará, aumento salarial de servidores públicos e home office até janeiro para funcionários do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Mato Grosso, uma ajuda de custo de até R$ 1 mil foi criada para integrantes do Ministério Público estadual arcarem com despesas de saúde. Após a imprensa revelar o caso, o pagamento do “bônus covid” foi suspenso e virou alvo de uma ação ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
“Há aqui aparente tentativa de frustrar o congelamento de salários dos servidores públicos municipais, estaduais e federais e dos membros dos três Poderes até dezembro de 2021, havendo informações de que a previsão de instituição da dita ajuda de custo estava prevista para o segundo semestre deste ano e foi antecipada em razão da nova legislação, motivação esta que está alheia ao interesse público”, observou o conselheiro Sebastião Caixeta, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em decisão que barrou o pagamento do auxílio.
Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, Mato Grosso é um dos Estados menos afetados pela doença, com 457 pessoas contaminadas e 14 óbitos, aparecendo em penúltimo lugar no ranking nacional.
Ao entrar com ação no STF, Aras apontou que o pagamento do “bônus covid” pelo Ministério Público estadual agrava a crise fiscal e afeta negativamente as “receitas estaduais em uma conjuntura de queda de arrecadação tributária, em decorrência dos impactos econômicos do surto de epidemia nacional do novo coronavírus”.
O benefício foi criado pelo procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira. No caso de servidores (efetivos e comissionados), o valor do “bônus covid” será de R$ 500. Para promotores, o benefício é o dobro – salta para R$ 1 mil. O impacto da medida aos cofres públicos pode chegar a R$ 9,65 milhões por ano.
O procurador-geral da República também aponta que o “bônus covid” gera desigualdade entre distintos órgãos do MP brasileiro, “na medida em que os membros de uns Estados recebem determinadas vantagens e outros não”.
Farra
O aumento de despesas e a criação de regalias não são exclusividade das autoridades do Mato Grosso. Sete de cada dez servidores em serviço nos Estados e municípios vão poder ter reajustes salariais até dezembro de 2021. Enquanto isso, 5,5 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram redução salarial e 50 milhões de informais pediram ajuda de custo de R$ 600 do governo federal.
As alterações feitas na Câmara dos Deputados e mantidas pelo Senado reduziram o alcance da medida proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma “cota de sacrifício” do funcionalismo público – que tem estabilidade no emprego – na crise da pandemia da covid-19. O crescimento da folha de pessoal é hoje o principal fator a corroer o Orçamento dos Estados e municípios.
No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) sancionou, nesta quinta-feira, 7, uma lei que garante a juízes estaduais o direito à licença-prêmio. O benefício, concedido a cada três anos de trabalho ininterrupto, tem efeito retroativo e pode ser pago em dinheiro aos magistrados. Como o benefício pode ser pago em valores retroativos a 2006, magistrados poderão receber até R$ 240 mil, segundo o Sindicato dos Servidores do Judiciário do Pará.
Na semana passada, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, editou resolução autorizando o trabalho remoto de servidores da Corte até janeiro de 2021 por causa da pandemia do novo coronavírus. O STF alega que a medida pretende prevenir a contaminação de funcionários do tribunal – que até a semana passada não havia registrado nenhum caso positivo.
Em nota, o MP de Mato Grosso disse que o “bônus covid” foi criado agora porque o Congresso congelou reajustes. O governo do Pará afirmou que “não compete ao governo direcionar recursos do Tribunal de Justiça”.
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