BRASÍLIA - Kassio Nunes Marques, de 48 anos, será empossado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 5, às 16 horas, com promessa de atuação "objetiva", disposição ao diálogo e “garantismo”. O primeiro nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro à Corte tem sinalizado a preferência por votos curtos e portas abertas no gabinete para ouvir parlamentares - que ele terá a responsabilidade de julgar - e colegas do tribunal.
A intenção é anunciar de forma mais rápida as decisões, com menos retórica. Em conversas reservadas, Nunes Marques – como será oficialmente chamado – tem dito que o juiz deve se expressar no voto, no acórdão, e não fazer um discurso sobre aquilo que vai julgar. O estilo é bastante diferente daquele protagonizado por seu antecessor, o ministro Celso de Mello. O antigo decano do Supremo, que se aposentou em outubro, após 31 anos na Corte, ficou conhecidopela erudição e referências históricas ao proferir os votos.
Já o novo ministro tem uma carreira modesta na magistratura. Natural do Piauí, Nunes Marques era advogado e se tornou desembargador regional em 2011, por escolha da então presidente Dilma Rousseff. Ele teve sua indicação ao STF aprovada pelo Senado, com folga, há duas semanas (57 votos a 10, com uma abstenção), apesar das polêmicas em torno de seu currículo.
A Universidade de La Coruña, na Espanha, não confirmou a existência de pós-graduação que ele disse ter cursado, como o Estadão revelou. Além disso, o desembargador tem longos trechos de sua dissertação de mestrado, na Universidade Autónoma de Lisboa, indênticos a partes de artigos acadêmicos do advogado Saul Taurinho Leal, de quem é próximo. Leal afirmou que as acusações de plágio são infundadas e que as semelhanças entre seus trabalhos e a dissertação são "fruto de esforço mútuo dos autores". Um mês depois, a universidade ainda não respondeu ao questionamento do Estadão sobre se a suspeita de plágio poderia resultar na revisão do título concedido a Nunes Marques.
Outra polêmica envolve a nomeação da mulher do novo ministro no Senado. Com salário de R$ 11,4 mil, Maria do Socorro Mendonça de Carvalho Marques ocupa uma das vagas no gabinete do senador Ermano Férrer (Progressistas-PI). Questionado durante a sabatina, Nunes Marques não soube dizer o que ela faz. O senador também disse desconhecer as atividades desempenhadas por Maria do Socorro em sua própria equipe. O caso foi revelado pelo Estadão. O jornal tenta sem sucesso conversar com ela para entender a função dela no gabinete e quem a indicou.
A cerimônia de posse será reservada, com apenas outros cinco ministros do tribunal e a possível presença do presidente Jair Bolsonaro e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A medida é para evitar risco de contaminação, já que em setembro, após a posse do presidente do STF, Luiz Fux, nove autoridades contraíram o coronavírus. Não está previsto discurso do novo magistrado da Corte.
Nunes Marques tem falado em “descriminar o ouvir” no sentido de que escutar a divergência de opiniões é fundamental no ambiente democrático. A interlocução com os demais poderes não é exatamente uma característica dos magistrados de carreira que hoje integram o Supremo, como o presidente do tribunal, Luiz Fux, e os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Será, porém, algo natural para Nunes Marques, que nos dez anos em Brasília construiu ótimo trânsito no meio político. Com esse passaporte, ele garantiu a aprovação de seu nome na sabatina do Senado, sem maiores dificuldades.
A disposição ao diálogo aproxima Nunes Marques da ala dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que mantêm interlocução com alguns dos principais nomes do Executivo e do Legislativo. Uma reunião na casa de Gilmar com Toffoli, Bolsonaro e Alcolumbre selou a indicação do desembargador à Corte.
Outro ponto que pode unir Nunes Marques a Toffoli e Gilmar é a visão crítica à Lava Jato. Ao ser sabatinado, quando o tema era Lava Jato, o novo ministro ficou em cima do muro, sob o argumento de que não poderia falar sobre casos que eventualmente cairão em suas mãos para julgamento. Parlamentares que se veem às voltas com investigações criminais, no entanto, já contam com um posicionamento em defesa das garantias dos alvos de acusações, em uma linha de atuação que ganhou a alcunha de “garantista”. Marques, porém, evita rótulos como o de anti-lavajatista e indica que atuará com moderação na parte criminal.
"Eu não verifico nenhum conflito entre ser um juiz garantista e isso de alguma forma atrapalhar na escorreita condução de feitos ou no combate à corrupção no Brasil. Ao contrário, eu acho que chegaremos a uma construção muito mais justa ao final, e sem margem para qualquer nulidade no processo”, disse Nunes Marques em sabatina no Senado, no dia 21 de outubro.
Suspeição
Caberá ao ministro votos decisivos em alguns casos importantes da Segunda Turma do Supremo, como o que pode levar justamente à anulação da primeira condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo ex-juiz Sérgio Moro, no âmbito da Lava Jato.
O pedido de suspeição de Moro, que ainda aguarda para ser votado, tem como objetivo anular a sentença que levou Lula à prisão, em 7 de abril de 2018. Nunes Marques também será o revisor de ações penais de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Os três inquéritos criminais que incomodam o Planalto hoje em dia têm Moraes como relator. Além da apuração para verificar se Bolsonaro incorreu em crime ao interferir na Polícia Federal há o chamado inquérito das fake news e o dos atos antidemocráticos, que investigam apoiadores do presidente e até parlamentares aliados.
O revisor tem um prazo indefinido para analisar o voto do relator na ação penal, antes do início do julgamento. Tanto na pauta criminal como na de costumes, Nunes Marques tem feito deferências ao Congresso. De um lado, indicou que não vai interferir na polêmica sobre a prisão após condenação em segunda instância. De outro, deu sinais de que não deverá ser contra a criação do chamado juiz de garantias.
A inovação foi introduzida por deputados no chamado pacote anticrime, de autoria de Moro, então ministro da Justiça. A adoção do modelo que prevê o juiz de garantias, porém, foi suspensa por liminar do ministro Luiz Fux. “Tudo o que for de garantia acho que é importante, mas a dúvida talvez esteja no Supremo, em torno de como dar efetividade a esse instituto”, disse Nunes Marques.
Na pauta de costumes, o novo magistrado é contra o Supremo decidir sobre assuntos que são da competência do Congresso, como a legislação relativa ao aborto. Ele entende que o Parlamento é soberano e, se não decide sobre temas sensíveis, é porque não é a vontade da sociedade.
A posição agrada à agenda conservadora de Bolsonaro. O ministro não deverá, no entanto, ser favorável a revisões em questões já pacificadas pelo Supremo, como a criminalização da homofobia. Nunes Marques tem defendido o “respeito aos precedentes” como forma de dar “segurança jurídica”.
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