A imagem que ficou é a de um homem alto, longilíneo, bastante magro mesmo. Nas últimas décadas, o pernambucano Marco Antônio de Oliveira Maciel foi visto também como um personagem da velha política, um termo recorrente nas mudanças de gerações. Havia motivo para isso. Ele estava sempre no centro do poder, uma imagem constante no Brasil da transição democrática. Quem acompanha a História política observará ainda um jogador mudo de xadrez ou aquela figura que aparece nas horas de confusão para o deixa disso.
Desde que assumiu o mandato de deputado estadual em 1967, o discreto e paciente advogado Marco Maciel teria muitas oportunidades no jogo do poder. Foi presidente da Câmara, governador biônico de Pernambuco na ditadura, ministro da Educação e da Casa Civil no governo Sarney, senador e duas vezes vice-presidente da República no mandato de Fernando Henrique Cardoso.
A biografia O estilo Marco Maciel, do jornalista Magno Martins, editora CRV, apresenta um homem que primava pela polidez e ausência de arroubos ou frases agressivas no exercício da política. Árido nas gesticulações, árido nas palavras. É um perfil que ganha mais relevo, claro, no momento atual, em que abrir a boca para vociferar e atacar adversários e a falta de educação tornaram-se regras de conduta na vida pública, não exceções.
Liberal, católico fervoroso e de direita, Marco Maciel mantinha relações próximas com Dom Helder Câmara, Oscar Niemeyer e lideranças comunistas do Nordeste. Pertencia a uma direita que procurava fazer política: flertava com adversários ou aliados tensos, numa demonstração eterna de estar disposto a conversas que terminavam para recomeçar. Tinha prazer de lembrar que, à frente da pasta da Educação, mandou reabrir a UBES e a UNE, entidades de estudantes ligadas tradicionalmente à esquerda e com as quais divergia em seu tempo de líder estudantil.
Ex-aluno de Marco Maciel no curso de direito da Universidade Católica, no Recife, o jurista José Paulo Cavalcanti relatou que o antigo professor gostava de contar que, certa vez, um jornalista perguntou a Tancredo Neves quais qualidades um político deveria ter. O mineiro respondeu que, de 1 a 7, paciência. Isso Maciel tinha de sobra, observou Cavalcanti no discurso de posse na cadeira que pertenceu a Maciel na Academia Brasileira de Letras.
Só o contraponto ao que tudo que está aí não valeria, claro, uma biografia. Marco Maciel personalizou o “bombeiro” na turbulenta política brasileira. Em 1984, teve papel decisivo para que a proposta da Frente Liberal, uma dissidência do PDS governista a favor da candidatura de Tancredo Neves à Presidência, não naufragasse. Ele convenceu o governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, de seu partido, a aderir. Ainda evitou que José Sarney rompesse com o grupo após uma troca de farpas com Pedro Simon. O político pernambucano poderia sair como o candidato a vice, mas optou pelo consenso.
O livro de Magno Martins disseca uma nódoa na carreira do líder de direita. Na presidência da Câmara, em abril de 1977, Marco Maciel silenciou diante da decisão de Ernesto Geisel de fechar o Congresso com intuito de frear a ascensão do MDB oposicionista e manter o controle do Legislativo pela Arena governista. Esse episódio seria usado pelos adversários até o fim de sua trajetória política. Em troca, ganhou o governo de Pernambuco.
No Palácio do Campo das Princesas, Marco Maciel apelou à força policial para acabar com a guerra de famílias em Exu. Fez dobradinha com o cantor Luiz Gonzaga, artista do município, para encerrar um conflito de mais de 200 anos. O gesto mais lembrado dessa época foi sua decisão de colocar o quadro do adversário Miguel Arraes, retirado pela ditadura do palácio, na galeria dos ex-governadores. Em tempo de repressão, gestos de cordialidade têm outra dimensão.
Nem tanto por ser um contraponto no momento atual da política, Marco Maciel não se adequa ao perfil mais ao gosto da produção historiográfica do presente. A história dele é a do poder político, das negociações de cúpula e das relações entre Brasília e as forças econômicas. Nos últimos anos, a produção acadêmica busca preencher lacunas de séculos sobre movimentos e lideranças populares. Ao mesmo tempo, os estudos sobre figuras de autoridades rareiam. A propósito, a História acontece simultaneamente nas ruas e nos palácios, na planície e no Planalto, no térreo e na cobertura. Deixar de lado os elos e as camadas históricas pode ser um problema.
Talvez a rara produção sobre políticos que marcaram a História brasileira não se deve a razões ideológicas. Basta contar as poucas biografias sobre presidentes. Fernando Collor e Fernando Henrique ainda estão para ganhar perfis alentados. Lula só agora teve uma biografia, escrita por Fernando Moraes. Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro ainda estão na fila. O jornalista Luiz Maklouf Carvalho chegou a escrever O cadete e o capitão, que aborda o período anterior à chegada de Bolsonaro à Presidência - e à onda de mortes da pandemia que poderiam ser evitadas.
A vida pessoal de Marco Maciel era espartana e parece que buscava justificar a figura política. “A vida pública é a sua obra e o seu destino”, avaliou José Paulo Cavalcanti, para quem a biografia dele está quase toda preenchida pelas atividades políticas.
Nascido em 1940 no Recife, Maciel era filho de um político, José Rego Maciel, que não pertencia ao primeiro time da elite pernambucana. Cursava direito quando conheceu Anna Maria Ferreira, uma estudante amazonense de ciências sociais. Depois de cinco anos de namoro, recomendou que ela comprasse as alianças. Nunca foi de grandes manifestações pessoais e festas. É possível que tenha se casado virgem, observa o biógrafo, algo que pode ser explicado tanto pela entrega intensa ao catolicismo quanto pela dedicação absoluta à política. O casal teve três filhos. Ao morrer em consequência do Alzheimer, em 2021, deixou de herança apenas o apartamento em que vivia em Brasília.
Marco Maciel era de uma direita discreta, avessa ao patrimonialismo e ao personalismo, o que o difere de algumas das características do homem cordial de Sérgio Buarque. Jorge Bornhausen, colega de partido, ouviu dele certa vez a recomendação para não integrar CPIs, e assim se tornar algoz de adversários, nem a Comissão de Orçamento, se não quisesse ser confundido com quem desviava verbas públicas.
Ele nunca teve o nome associado a escândalos de corrupção. Não que faltassem casos de irregularidades por perto. Foi por conta de uma denúncia envolvendo o senador Guilherme Palmeira, então candidato do PFL na chapa com Fernando Henrique em 1994 que Maciel acabou empurrado para a vaga.
Dentro do PFL, o atual União Brasil, Marco Maciel foi crucial para segurar Antonio Carlos Magalhães, de estilo antagônico. Numa das muitas crises políticas, a metralhadora giratória baiana atirou na cúpula do partido, acusando-a de roubo. Maciel convenceu ACM a escrever uma carta de retratação.
Na interinidade da Presidência, o político de direita comandou o País em 87 ocasiões em que o tucano viajou para fora. Foram 339 dias de governo, calculou José Paulo Cavalcanti, mais que o tempo de Jânio Quadros no poder. Ninguém testemunhou viagens festivas para cidadezinhas ou solenidades com bandas de música.
É por demais conhecida a gratidão de Fernando Henrique à lealdade e a discrição de Marco Maciel nos oito anos de governo. O pernambucano virou o “vice dos sonhos”. Não conspirava e, de quebra, ajudava a apagar os incêndios na base aliada. Nesse quesito não deixou seguidores. José Alencar, Michel Temer e Hamilton Mourão tiveram relações de atritos e desconfianças com seus titulares. Ainda é cedo para entender a postura de Geraldo Alckmin, outro católico conservador no cargo, mas que não demonstra ter os mesmos resultados de Maciel na função de apagar incêndios.
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