BRASÍLIA E SÃO PAULO - A pouco mais de três meses do término de seus mandatos, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já direcionam seus esforços para as eleições de 2026, enquanto tentam preservar suas relevâncias no jogo político em Brasília. Especialistas ouvidos pelo Estadão destacam que, ao deixarem os cargos, ambos enfrentarão o desafio de manter influência ao retornarem à condição de parlamentares comuns entre os 594 congressistas do Legislativo federal — um cenário que pode dificultar suas ambições eleitorais para daqui a dois anos.
Lira e Pacheco contam, contudo, com um trunfo importante: devem emplacar sucessores nos comandos das Casas. Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara, e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Senado, são apontados como favoritos, e suas eleições por aclamação podem ajudar os dois líderes na manutenção da influência no Legislativo federal, mesmo após deixarem os cargos.
Enquanto o entorno de Pacheco espera que ele seja o nome do PSD para disputar o governo de Minas Gerais em 2026 — desejo pessoalmente reforçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reuniões recentes com o senador —, Lira é cotado para uma candidatura ao Senado por Alagoas, embora ainda não esteja claro se contará com o apoio de Lula, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou de ambos.
Candidatura de Pacheco ao governo mineiro ganha força
Aliados do PSD mineiro afirmam que Pacheco tem o respaldo da legenda para ser candidato ao governo do Estado, mas apontam que a decisão final ainda depende do próprio senador. “Nós queremos que ele seja nosso candidato a governador. Isso para nós é o sonho ideal. Agora depende dele”, diz o deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD-MG).
Neste momento, a disputa no PSD pela indicação para concorrer ao governo de Minas Gerais está centrada entre Pacheco e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A aliados, Silveira afirma que dará preferência ao senador, com quem mantém uma amizade de mais de 20 anos, e manifesta expectativa de que ele assuma o papel de candidato de centro ao governo do Estado, contando com o apoio de partidos de esquerda e servindo como palanque para a reeleição de Lula.
Nas eleições municipais deste ano, o PSD saiu triunfante em Minas Gerais. O partido foi o que mais conquistou prefeituras, vencendo em 142 dos 853 municípios do Estado, um resultado que representa quase o dobro em comparação a 2020, quando conquistou 78 cidades. Entre as vitórias, destaca-se Belo Horizonte, a capital mineira, onde Fuad Noman (PSD) derrotou Bruno Engler (PL), candidato apoiado por Bolsonaro.
Além disso, o líder interino do governo no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), diz que Pacheco sai do cargo “muito forte dentro do Senado Federal”, especialmente devido à sua postura em defesa da democracia.
“Acredito que depois da ação do ministro (do Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, ele foi a segunda figura mais importante para sustentar a democracia como presidente do Congresso e do Senado”, afirma. “É o nome mais preparado, com maiores condições de governar o Estado de Minas Gerais.”
Alencar também relata que, em uma reunião com a presença dele, Pacheco e outros ministros com Lula no começo deste mês de novembro, o presidente fez reiterados apelos para que o senador mineiro seja candidato ao governo de Minas Gerais em 2026. “O presidente falou com ele várias vezes: ‘eu quero você meu candidato a Minas Gerais. Otto, vamos incentivar ele’. Ele ficou de tomar essa decisão e resolver”, diz.
A pressão para que Pacheco entre na disputa tem uma justificativa estratégica: a candidatura de um aliado forte de Lula no segundo maior colégio eleitoral do País é considerada essencial para o cenário político nacional em 2026, avalia o professor de ciência política do Insper, Leandro Consentino. O professor destaca que a articulação em torno de Pacheco integra a estratégia de Lula para consolidar alianças em estados-chave, com foco nas próximas eleições presidenciais e no fortalecimento das pontes do PT com setores da centro-direita.
“Lula precisa de um palanque forte em Minas para buscar sua reeleição. O PT teve um desempenho muito ruim nas eleições municipais, o que reforça a necessidade de aliados de peso no Estado. Já Pacheco oferece essa estrutura, enfrentando um nome ligado ao bolsonarismo, representado pelo atual governador Romeu Zema”, explica.
Apesar de o nome de Pacheco estar ganhando força, o senador mantém um tom cauteloso. Ao Estadão, ele afirmou que sua intenção é retomar o trabalho no Senado, inclusive abrindo espaço para que colegas do PSD assumam funções de destaque, como a presidência de comissões. A Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo, ficará com o PSD, que indicará Otto para a função.
“A minha intenção, a partir do dia 1º de fevereiro do ano que vem, é retornar ao gabinete 24 do Senado para continuar a cumprir o meu trabalho como senador da República. Destaco ainda, por opção própria, a minha disposição de contribuir para que outros colegas senadores ocupem posições de destaque na Casa. No comando de comissões, por exemplo, temos nomes que podem, como líderes naturais que são, exercer papéis relevantes nas discussões legislativas e na formulação de leis que auxiliem o país no seu desenvolvimento”, afirma Pacheco.
Sob essa perspectiva, integrantes da legenda ouvidos pela reportagem avaliam que o início do próximo ano será uma oportunidade para Pacheco adotar um ritmo mais tranquilo. Para esse grupo, o senador enfrentou um período de intensa turbulência e pressões durante seu último mandato como presidente do Senado, e agora teria a chance de se dedicar a uma agenda menos desgastante.
Ministério ou advocacia como alternativas
Embora o retorno ao Senado seja considerado o caminho mais natural, há também a possibilidade de Pacheco integrar o governo Lula, assumindo um ministério de destaque, como o da Justiça. A aproximação recente entre o petista e o senador mineiro intensificou os rumores sobre sua entrada no primeiro escalão na Esplanada dos Ministérios, onde poderia permanecer até 2026.
Como mostrou o Estadão, Pacheco é cotado por Lula para chefiar uma pasta em eventual reforma ministerial. Ainda que o presidente esteja avaliando qual ministério o senador poderia ocupar, o destaque concedido ao PSD de Gilberto Kassab no governo já tem gerado queixas por parte de dirigentes, deputados, senadores e até ministros do PT, que questionam por que a sigla, que controla três ministérios (Agricultura, Pesca e Minas e Energia), deveria ampliar ainda mais seu espaço no Executivo.
Para Consentino, assumir um ministério seria uma estratégia eficiente para Pacheco, garantindo-lhe maior visibilidade e o protagonismo necessário para preservar seu capital político até 2026. Contudo, o professor alerta que a adesão ao governo Lula exige um cálculo cuidadoso, dado o cenário político complexo em Minas Gerais.
“O ministério lhe daria mais visibilidade, enquanto a volta ao Senado, mesmo após ter sido presidente, o colocaria como apenas mais um entre os 81 senadores. Por outro lado, o desafio seria preservar sua proximidade com o governo sem se associar diretamente ao lulismo, e ao mesmo tempo conquistar a simpatia de setores oposicionistas, como os bolsonaristas”, analisa.
Outra alternativa para Pacheco seria retornar à advocacia. Ele é um conhecido criminalista e teve ampla atuação na Ordem dos Advogados do Brasil. O próprio Kassab espera que ele siga na carreira política.
“Pacheco é um dos melhores quadros da política brasileira hoje e o PSD tem um entusiasmo em vê-lo em novas posições, com protagonismo. É muito importante que a vida pública não o perca”, diz.
Desafios de Lira em Alagoas
Com uma gestão na Câmara marcada pela proximidade com o governo Bolsonaro, Lira busca manter seu capital político em alta para viabilizar uma candidatura ao Senado por Alagoas em 2026, seu reduto político. No entanto, o alagoano enfrentará desafios maiores do que Pacheco, já que a dinâmica da Câmara, com seus 513 deputados, dificulta a preservação de influência em comparação ao Senado, onde a articulação é mais concentrada.
“O risco de sumir no plenário é maior para Lira do que para Pacheco. Passar de presidente para apenas mais um entre 513 deputados é um baque significativo. É muito mais fácil para um ex-presidente da Câmara perder relevância do que para um ex-presidente do Senado”, analisa Consentino, citando o caso de Rodrigo Maia (PSDB-RJ), que perdeu espaço após deixar a presidência da Casa.
Diferentemente de Maia, Lira conseguirá emplacar seu sucessor direto em uma vitória por aclamação. Hugo Motta já conquistou o apoio do PT, do PL e da maioria dos partidos na Câmara, com exceção do PSOL e do Novo. Com isso, Lira preserva sua influência dentro do PP e mantém o prestígio político, o que lhe permitirá ascender em negociações estratégicas nos próximos meses. Além disso, o respaldo de Bolsonaro reforça sua relevância política, projetando sua candidatura ao Senado em 2026.
Ainda assim, o primeiro-vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), pondera que Lira deverá ter um papel de mais comedimento quando sair do atual cargo, mas poderá ser um conselheiro para Motta.
“Lira é uma pessoa muito ponderada e equilibrada. Lógico, Hugo Motta, precisando de algum conselho, poderá o procurar. Isso é normal. Mas, fora disso, Lira não vai ficar interferindo (no jogo político da Câmara), até porque ele vai focar muito na campanha de senador”.
Cientistas políticos ouvidos pelo Estadão dizem que a vitória de Lira ao Senado não pode ser dada como certa em 2026. Duas vagas estarão em disputa, e seu principal rival, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), pleiteará renovar o assento.
Na avaliação do cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Vinicius Alves, a estratégia de Lira pode não ser suficiente para 2026, sobretudo diante da forte influência de adversários em Alagoas, como a família Calheiros e o clã Collor.
“Renan Calheiros é um adversário figadal e já tem a estrutura para disputar o Senado, o que torna a vaga ainda mais complicada para Lira. Além disso, o clã Collor, com lideranças importantes no estado, pode criar obstáculos tanto para sua candidatura ao governo quanto ao Senado”, avalia.
Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), avalia que ainda não está definido de que lado Lira estará em 2026. Em 2022, por exemplo, ele apoiou Bolsonaro à presidência da República, uma contradição que, segundo Santana, dificulta a construção de um projeto político consistente para as eleições de daqui a dois anos.
Essa ambiguidade também se reflete no partido de Lira, o PP, que vive uma posição contraditória. A sigla tem um ministro no governo Lula, André Fufuca (Esportes) com o próprio Lira dizendo, no ano passado, que o PP na Câmara faz parte da base governista. Por outro lado, o presidente do partido, Ciro Nogueira, mantém forte aliança com Bolsonaro, reforçando a divisão interna da legenda.
“Lira pode escolher ser candidato ao Senado, à Câmara ou até mesmo ao governo. Só que para ele definir efetivamente o espaço em que ele quer estar”, diz Santana. “Não é uma equação fácil e não necessariamente passa pelo apoio de Lula. Lula tem apoio até certo ponto. Maceió é a capital mais bolsonarista do Nordeste. No interior até ajuda, mas na capital é outra história.”
Neste momento, não há muitos nomes que possam desbancar Lira e Calheiros na disputa pelas duas cadeiras do Senado. O deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL) desponta como um possível candidato, com potencial apoio do bolsonarismo. No entanto, aliados apontam que um eventual pacto de não-agressão entre Lira e Calheiros poderia inviabilizar suas chances de vitória.
A senadora Eudócia Caldas (PL) também surge como uma possível candidata à reeleição, embora sua decisão dependa dos planos do filho, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC.
Apesar de ter recebido o apoio de Lira à prefeitura neste ano, JHC rejeitou indicações do presidente da Câmara para a vice-prefeitura. Agora, JHC mira o governo do Estado e pode enfrentar um adversário de peso: o ex-governador e atual ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), nas eleições de 2026.
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