BRASÍLIA - Após repercussão negativa nas redes sociais e nas ruas, o debate do projeto de lei que endurece a legislação sobre aborto no País deve esfriar na Câmara. O assunto será tema de reunião do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), com lideranças partidárias nesta terça-feira, 18. A tendência, contudo, é que a decisão do Colégio de Líderes seja de focar na regulamentação da reforma tributária.
Aliados de Lira afirmam que a tributária é “prioridade total” para ele. O deputado alagoano tem dito que pretende levar os textos para votação no plenário até a segunda semana de julho. Para isso, contudo, é preciso acelerar as discussões nos grupos de trabalho.
Lira não gostou da amplitude que o tema do aborto ganhou nos últimos dias. No sábado, 15, milhares de pessoas protestaram na Avenida Paulista, em São Paulo, contra o avanço da proposta, cuja urgência foi aprovada em votação relâmpago na semana passada. O presidente da Câmara foi um dos principais alvos da manifestação, que teve cartazes com frases como “Lira, inimigo das mulheres” e “Fora, Lira”.
Nos bastidores, o deputado alagoano afirma que há uma lista enorme de projetos com requerimentos para tramitação em regime de urgência aprovados, mas sem que o mérito tenha ido para votação. É o que pode acontecer com a proposta que trata de aborto.
Interlocutores de Lira dizem que não é do interesse dele aprovar o projeto. A ideia do presidente da Câmara, segundo esses aliados, era somente fazer um aceno à bancada evangélica com o avanço do texto, de olho no apoio dos religiosos para o candidato que ele escolher para sua sucessão na Casa, na eleição que ocorrerá em fevereiro de 2025.
Na última quinta-feira, 13, antes dos protestos do fim de semana, Lira havia dito que o projeto seria relatado por uma deputada “mulher, de centro e moderada”. Também afirmou, após participar de um evento em Curitiba (PR), que o tema “merece ter um debate mais aguçado”.
O projeto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, mesmo em caso de gestação resultante de estupro. Com essa tipificação, a interrupção da gravidez poderia gerar penas de seis a 20 anos de prisão para a mulher que abortar e para quem auxiliar no procedimento.
Depois de se abster na votação do requerimento de urgência, o governo decidiu se posicionar contrário ao projeto. No sábado, 15, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que, apesar de ser contra o aborto, considera uma “insanidade” querer punir a mulher vítima de estupro com pena maior que a do estuprador.
As ministras do governo também foram às redes sociais criticar a proposta. “Ser contra o aborto não pode significar defender o PL do estupro”, escreveu Simone Tebet (Planejamento e Orçamento).
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta segunda-feira, 17, que não vê “ambiente” no Congresso para que o projeto do aborto avance mais. A declaração foi dada no Palácio do Planalto, após a reunião semanal de articulação política com Lula.
Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou que o aborto é “naturalmente diferente” de homicídio e que a proposta jamais iria diretamente ao plenário da Casa, sem passar por comissões, como ocorreu na Câmara com a aprovação da urgência.
Como mostrou a Coluna do Estadão, o Centrão e a base de Lula na Câmara já tentavam desde a semana passada empurrar a votação do projeto para depois das eleições municipais.
Reforma tributária
O tempo é curto para aprovar os dois projetos de lei complementar que regulamentam a reforma tributária sobre consumo ainda neste semestre, como quer Lira. Depois de 17 de julho, o Congresso entra formalmente em recesso, e a partir de agosto o foco será a eleição municipal.
Além disso, o presidente da Câmara sofre pressão para liberar os deputados a ficarem em suas bases eleitorais na semana que vem, quando são celebradas as tradicionais festas juninas no Nordeste. Em ano eleitoral, os parlamentares não querem abrir mão desse contato direto com a população.
As discussões nos grupos de trabalho da tributária já estão em andamento, com audiências públicas, reuniões internas e encontros no Ministério da Fazenda. Lira criou dois GTs, um para cada projeto de regulamentação enviado pelo governo.
Não há relatores definidos e a ideia é que o próprio presidente da Câmara arbitre as divergências até a construção do relatório final. Lira quer deixar a tributária como um legado de seu período no comando da Casa.
O primeiro GT, que discute temas como imposto seletivo e cesta básica, prevê apresentar o parecer final na primeira semana de julho, para votação nos dias seguintes. O segundo grupo, que trata, entre outros assuntos, da distribuição das receitas do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para Estados e municípios, projeta entregar o relatório ainda no fim deste mês.
Padilha afirmou nesta segunda-feira, 17, que o Planalto espera a votação da tributária na Câmara na primeira semana de julho. O ministro também citou como prioridade a Medida Provisória do “Acredita”, programa de crédito lançado em abril.
Na semana passada, antes da aprovação da urgência para o projeto do aborto na Câmara, Padilha já havia dito que o governo tentaria convencer o Congresso a focar na pauta econômica e não na agenda ideológica de costumes.
O PT, por sua vez, chegou a trabalhar para “suavizar” a proposta de Sóstenes. O partido de Lula tentava reduzir o escopo do projeto para que incluísse somente casos relacionados ao uso de uma técnica específica de interrupção da gestação, chamada de “assistolia fetal”.
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