Em julho de 2021, contei, com o repórter Daniel Weterman, aqui no Estadão/Broadcast sobre um novo tipo de emendas que vinha crescendo na preferência dos parlamentares: as emendas cheque em branco ou Pix. A matéria jogava luz sobre a modalidade de repasse sem transparência pela qual, naquele ano, os parlamentares tinham mandado R$ 2 bilhões para Estados e prefeituras.
De lá pra cá, o uso da emenda só cresceu - são R$ 8 bilhões em 2024 - e a falta de controle continua a mesma. No início de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino atendeu a um pedido de liminar da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e determinou mudanças nas emendas Pix. Foi o primeiro passo do processo que culminou com a suspensão de todas as emendas impositivas e obrigou o Legislativo a sentar com o Executivo e Judiciário para discutir um acordo sobre a execução dos recursos.
Por trás da questão está o espaço crescente que os Congressistas ganharam no Orçamento. Com o orçamento da União consumido em despesas obrigatórias, como o pagamento de benefícios e da folha do funcionalismo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se viu com cada vez menos recursos para tocar obras e projetos, e cada vez mais na mão de deputados e senadores, com um quinhão de emendas cada. “As políticas públicas passam a ser terceirizadas. Tem pouco recurso discricionário, eu só posso construir uma Casa da Mulher Brasileira se deputado colocar emenda?”, resumiu a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, em entrevista no início do mês.
Se o acordo entre os poderes poderia ter o efeito de moralizar e fiscalizar os repasses, não tem sido esse o norte das negociações. A questão é mais “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Como vem mostrando o Estadão/Broadcast, o próprio Lula tem conduzido negociações com o Congresso - que tem como líder da “bancada das emendas” o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira, que deixa o cargo em fevereiro do ano que vem, atua para que o Congresso mantenha o maior controle possível dos recursos. Mas as negociações também passam pela eleição da mesa do Congresso no ano que vem, e emenda, aqui, é mais uma vez usada como moeda de troca para angariar apoios.
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A Pix ganhou esse apelido por cair na conta de prefeituras e Estados com a velocidade da transferência criada pelo Banco Central. Não é preciso nenhum projeto ou justificativa prévia para receber o dinheiro, basta o prefeito indicar a conta. E a fiscalização depois é precária, apenas de uma pequena parte, já que os órgãos de controle não dão conta de vigiar repasses tão pulverizados.
Com isso, são frequentes o mau uso dos recursos. É deputado que manda Pix pro filho prefeito. É prefeitura que recebe dinheiro para escolas que não têm professores. Dinheiro investidos em obras que não deveriam ser priorizadas - há vários Cristos Redentores pelo País financiados por emenda Pix.
É positivo se a modalidade acabar, como garantiu o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e observar a “necessidade de identificação antecipada do objeto e a prestação de contas perante o TCU”, como sugere a nota divulgada depois da reunião entre os três poderes que resultou no primeiro esboço do acordo, na semana passada. Mas é preciso manter a vigilância e olhar com lupa os detalhes do que sairá do tal projeto que está sendo discutida entre Legislativo e Executivo. Acaba nesta sexta-feira, 30, o prazo dado pelo STF para resolverem o assunto.
Dos dois lados, as conversas neste momento estão em garantir poder, e não aumentar transparência. O governo quer que o dinheiro vá para suas obras estruturantes. O Congresso não quer abrir mão do espaço conquistado e briga para derrubar os critérios que limitam o crescimento das emendas. Não há garantias de que o que sairá do acordão “com o Supremo e tudo” será um modelo de mais eficiência na alocação de recursos. Nesse cabo de guerra, o risco é o dinheiro público continuar indo para destinos obscuros e desconhecidos. E parlamentares continuarem priorizando Cristos Redentores pelo País.
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