A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de tornar nulas as provas apresentadas pela Odebrecht em acordo de leniência fechado na Operação Lava Jato movimenta o mundo da advocacia especializada. O despacho do ministro ainda nem “esfriou” e escritórios de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro já se debruçam sobre seus respectivos casos para criar teses que, em última instância, levem à anulação de condenações de seus clientes que possam ter sido afetados pelas provas “imprestáveis” apresentadas pela empreiteira, para usar as palavras do ministro.
A Coluna ouviu advogados e integrantes de alto escalão dos órgãos envolvidos. Os entendimentos variam, mas há um ponto em comum: há base para anular multas e punições aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU) em casos derivados da Lava Jato. Se o acordo de leniência dos executivos da Odebrecht foi a “delação do fim do mundo”, vem aí agora a anulação apocalíptica, com potencial prejuízo bilionário aos cofres públicos.
Na CGU, segundo a Coluna apurou, o impacto da decisão está em estudo. No TCU, o movimento já começou. O subprocurador federal Lucas Rocha Furtado pediu que o tribunal anule penalidades impostas a empresas condenadas em processos que usaram as provas derrubadas por Toffoli. Em sessão nesta quarta-feira, 13, o presidente do tribunal Bruno Dantas – candidato a ser indicado por Lula a uma vaga no STF – comunicou que a Corte fará um levantamento dos processos que podem ter sofrido impacto com a utilização dessas provas.
No Cade, o buraco é mais embaixo. Ao longo dos anos, foram pelo menos 16 acordos e termos de compromissos assinados com o órgão delatando cartéis que envolviam, além da Odebrecht, construtoras como Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Carioca em obras que vão desde refinarias da Petrobras até o Rodoanel em São Paulo.
Nesses acordos, para encerrar investigações em curso, as empresas confessaram a participação no esquema e pagaram multas que somam bilhões. E entregaram provas - algumas, no caso da Odebrecht, carimbadas como “imprestáveis” por Toffoli.
Segundo a Coluna apurou, a possibilidade de anulação dessas multas agora preocupa integrantes do conselho. A avaliação é que, administrativamente, não vão mexer nesse vespeiro, pelo menos não na composição atual. Não há vontade política para isso. Houve um troca-troca de cadeiras na autarquia e quem está lá hoje é, coincidentemente, quem viabilizou as leniências com as empreiteiras no passado, e não têm como mudar de entendimento agora.
Só que o Cade mudará quatro conselheiros nos próximos meses, a maioria do tribunal. Que serão indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Que, desnecessário dizer, não gosta da Lava Jato. “Pode ser que entrem quatro pessoas inclusive com essa missão (de anular os acordos da operação)”, especula uma fonte. E as empresas também poderão recorrer à Justiça.
Alcance da decisão
A dúvida agora é quanto à abrangência da possível anulação pós-Toffoli. Há advogados que entendem que, se as provas da Odebrecht não valem, os acordos e termos de compromisso nos mais diversos casos também são inválidos. Se o problema é o modus operandi da Lava Jato, então estaria tudo contaminado.
“Levada ao extremo, a tese de que todas as provas foram obtidas por meio do que o ministro Toffoli classificou como ‘tortura psicológica, um pau de arara do século 21′, permitiria cogitar que os acordos celebrados com o Cade tenham vício na sua própria origem. A pergunta é: será que alguém teria colaborado com o Cade se não fosse pelo temor dos métodos e ações da Lava Jato?”, questiona o advogado Olavo Chinaglia, ex-conselheiro do Cade.
Já outros especialistas dizem acreditar que os processos terão que ser analisados um a um, para ver se o que baseou a condenação foi algo do rol anulado por Toffoli ou outro tipo de prova apresentada voluntariamente ao órgão pela empresa, incluindo a confissão de executivos.
“Muito provavelmente nessa teia, terão implicações para todos os casos no Cade envolvendo a Lava Jato. Agora, não é só a prova anulada que determina a anulação de um processo. Tem que ter mais coisa, por exemplo não ter mais nada que sustente o processo a não ser a prova anulada”, disse o advogado José Del Chiaro, especialista em Concorrência.
Ou seja, que haverá impacto, já é certo. O que ainda será definido é o tamanho do Armagedom.
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