O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes exibiu um vídeo durante a sessão em que a Primeira Turma decidiu tornar réu o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe de Estado. Relator do processo, Moraes apresentava o seu voto e queria demonstrar a “materialidade” dos crimes.
“Ao invés de eu ficar aqui falando meia hora, em cinco minutos do vídeo que nós vamos mostrar, a materialidade fica comprovada. Porque a materialidade exige violência ou grave ameaça. E aqueles que se esqueceram de boa ou má-fé que houve violência, gravíssima violência contra a pessoa, vão se recordar agora”, afirmou.
Não que o ministro tenha deixado de falar por bem mais que trinta minutos - foram quase duas horas - de detalhar provas e indícios de autoria que embasassem o acolhimento da denúncia contra cada um dos acusados. A exibição das gravações tinha claramente caráter “educativo”, de chocar a audiência com cenas impressionantes, que podem ter ficado esquecidas na memória, especialmente daqueles que compraram a história de que os atos de 8 de janeiro foram protestos pacíficos de idosos descontentes com o resultado da eleição.

Quem estava em Brasília no antes e depois das eleições de 2022 lembra que o clima não era nada sereno. As imagens que abrem o vídeo do ministro são de 12 de dezembro daquele ano, uma segunda-feira, dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entregou os diplomas de presidente e vice-presidente da República a Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, que haviam sido eleitos em 30 de outubro. São carros em chamas, bombas e um ônibus arremessado de um viaduto.
Não era um ambiente de normalidade que havia na capital, como querem fazer crer os agora réus. Nesta época, jornalistas que cobriam o Poder eram abordados por representantes diplomáticos de outros países que buscavam informações sobre a possibilidade de Bolsonaro resistir a entregar o cargo - enquanto o regular é justamente o contrário, a imprensa buscar as fontes atrás de notícias.
Os repórteres também eram procurados por familiares que recebiam no “zap” mensagens de que “Lula não subiria a rampa” para saber se era verdade. Era esse o cenário em Brasília a poucos dias da posse. Não se sabia se a normalidade institucional seria mantida. Havia cheiro de golpe no ar.
Aí, para quem não se lembra, Bolsonaro foi para os Estados Unidos. O presidente eleito tomou posse, montou seu governo, e, quando parecia que, sim, as coisas seguiram em ordem, veio o 8 de janeiro.
O vídeo de Moraes mostra imagens de homens e mulheres cobertos com a bandeira brasileira que avançaram naquele dia pela barreira de policiais que protegiam o Congresso, ignorando bombas e gases de efeito moral. Um PM arrancado de um cavalo. O depoimento de uma policial que foi arrastada, chutada e atingida com uma barra de ferro na cabeça e a imagem do capacete amassado. Viaturas jogadas no espelho d’água. As sedes dos três poderes invadidas a bomba. Os ataques golpistas em cor, som e movimento.
É claro que o 8 de janeiro é apenas a parte mais gráfica da tentativa de golpe de Estado, da qual Bolsonaro ontem se tornou réu e será julgado pelo Supremo. Ao aceitar a denúncia, o tribunal entendeu que há uma série de indícios que justificam a abertura de uma ação penal, ou seja, agora é que iniciará o julgamento da culpa propriamente dita.
Entre as provas que pesam contra o ex-presidente, segundo Moraes, há a discussão da “minuta de golpe” e o conhecimento de um plano para matar Lula, entre outros indícios. Tudo isso ainda será dissecado e explorado em um longo julgamento com oitiva de testemunhas e amplo direito à defesa.
Bolsonaro, como sempre fez, nega que houve tentativa de golpe. Diz que as acusações são “infundadas”, que Moraes “põe o que quer nos inquéritos” e que tem algo “pessoal” contra ele.
“É comprovado que as pessoas, até por uma autoproteção, todos nós temos em nossos cérebros o viés de lembrar as notícias boas e esquecer as notícias ruins”, disse o ministro do STF na quarta-feira durante o julgamento. “Esse viés de positividade faz com que nós, aos poucos, relativizemos isso e esqueçamos que não houve um domingo no parque.” Para que ninguém esqueça, as imagens do 8 de janeiro estão gravadas e ainda poderão ser reprisadas muitas vezes.