Em mais um discurso improvisado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) causou polêmica neste domingo, 18, ao comparar a atuação israelense na Faixa de Gaza com o Holocausto – assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus, promovido pelo líder da Alemanha Nazista Adolf Hitler.
A declaração foi dada durante entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, e foi imediatamente repudiada pelo primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, que afirmou que Lula “atravessou uma linha vermelha”. Especialistas ouvidos pelo Estadão analisam que a fala abre crise diplomática e coloca em cheque independência do País no cenário internacional.
De acordo com o cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Thiago Valenciano, a fala de Lula sobre Israel foi mais um exemplo dos seus “discursos livres” que terminam em derrapadas. Segundo o especialista, as falas possuem um reflexo negativo para os eleitores, além de prejudicar a imagem do chefe do Executivo para o cenário internacional.
“Até um vereador de cidade pequena tem que ter cuidado na hora de falar e o presidente da República tem que ter uma atenção maior ainda. Nós vivemos em um período de muita exposição midiática das autoridades políticas. Tem que ter um cuidado redobrado para evitar essas frases confusas, desconexas e mal feitas”, afirma.
Valenciano também observa que a repercussão da declaração do petista pode minar o esforço adotado pelo governo federal no ano passado, quando Lula viajou por dezenas de países para atrair uma relevância internacional com o mote “o Brasil voltou”: “A consequência é que você pode jogar fora um trabalho que foi feito ao longo de um ano”, explicou o especialista.
Fora a declaração mais recente sobre Israel, Lula já derrapou outras vezes quando tentou fazer manobras arriscadas em discursos “freestyle”. Ao lado do líder de Cabo Verde, José Maria Neves, em julho de 2023, o presidente afirmou ter gratidão à África “por tudo o que foi produzido pelos 350 anos de escravidão” no Brasil. Duramente criticado pela oposição e após um certo silêncio do governo, Lula foi defendido pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que afirmou que o presidente, na verdade, quis dizer que o Brasil tem uma dívida histórica com o continente africano.
“Tudo que não é muito bem pensado, em termos de diplomacia, tende a gerar um atrito”, avalia a professora de ciência política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Joyce Martins, que pesquisa discursos políticos em campanhas presidenciais na Nova República.
Nesse caso em que o presidente menciona a escravidão, Joyce avalia que não houve consequências negativas para o Brasil, diplomaticamente, porque há uma relação muito próxima com países africanos e, segundo a professora, ações governamentais comprovam esse elo.
Ela cita a criação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro Brasileira (Unilab) pelo presidente, em 2010, como exemplo de políticas de integração com o continente africano. Portanto, as políticas de governo teriam dado respaldo para que a fala fosse considerada apenas um “deslize” de expressão do presidente.
Já na fala mais recente, envolvendo o conflito em Gaza, a professora, que relembra que os judeus “não fizeram absolutamente nada, nenhum ato de terrorismo” que “justificasse” o genocídio, analisa que não é possível equiparar o Holocausto com nenhum outro evento na História e que Lula erra na comparação. Apesar do erro, Joyce vê “coragem” na fala do presidente ao defender o povo palestino, e analisa que o discurso está alinhado com a própria formação do Partido dos Trabalhadores (PT), bem como a alas da sigla que historicamente defendem a Palestina frente aos conflitos históricos na região.
Para Karina Stange Calandrin, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USO e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, a fala é problemática do ponto de vista da política externa brasileira. “É uma fala que exacerba uma posição de conflitos e que busca culpados. E por mais que possam haver culpados, essa não é uma posição de um país que busca ser um mediador.”
Outro discurso do presidente que balançou a prestigiada posição de “neutralidade” do Brasil frente à comunidade internacional, foi em relação à Guerra da Ucrânia. Desta vez não por defender um dos lados, mas sim por se pronunciar publicamente sobre um conflito que não fazia parte do cenário político brasileiro. Em um evento promovido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em março de 2022, antes de Lula ser oficialmente candidato à reeleição, ele sugere pedir para o presidente russo, Vladimir Putin, para o presidente americano, Joe Biden, e para líderes europeus que acabem com o conflito em curso no país do leste europeu.
“A quem interessa essa guerra? A razão dessa guerra, por tudo o que eu compreendo, que eu leio e que eu escuto, seria resolvida aqui no Brasil em uma mesa tomando cerveja. Teria resolvido aqui, senão na primeira cerveja, na segunda; se não desse na segunda, na terceira; se não desse na terceira, até acabarem as garrafas, a gente ia fazer um acordo de paz”, disse Lula na ocasião.
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