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Lula decide assumir coordenação política após reveses no Congresso

Presidente vai chamar para conversas dirigentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB; partidos contribuíram para derrubar trechos de decretos que alteravam o Marco do Saneamento

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai assumir as rédeas da coordenação política do governo após sofrer derrotas importantes na Câmara. A partir da próxima semana, Lula chamará para conversas os presidentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB e cobrará fidelidade nas votações. Juntos, os quatro partidos controlam 12 dos 37 ministérios e impuseram o primeiro revés de peso ao Palácio do Planalto, contribuindo para derrubar trechos dos decretos do presidente que alteravam o Marco do Saneamento.

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Ao participar nesta quinta-feira, 4, da plenária de instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável, no Itamaraty, Lula admitiu as dificuldades na tramitação de projetos do Executivo no Congresso e provocou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Sentado ao lado do ministro, anfitrião daquele encontro, o presidente mencionou de forma indireta as queixas sobre a falta de articulação política do Planalto e disse que Padilha fez um trabalho “extraordinário” para montar o Conselhão.

“Eu espero que ele tenha a (mesma) capacidade de organizar, de articular, que ele teve no Conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar muito a vida”, afirmou Lula. A plateia e o próprio Padilha riram.

O presidente Lula vai cobrar fidelidade de partidos aliados nas votações no Congresso Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

Na prática, Lula se referia aos problemas da base aliada apontados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nesta semana, o governo enfrentou percalços com o adiamento da votação do Projeto de Lei das Fake News, por falta de apoio até mesmo entre aliados, e também com a derrubada de trechos dos decretos que alteravam o Marco Legal do Saneamento. Os fracassos escancaram o racha na base de sustentação de Lula e o fogo amigo no PT, que busca culpados para a crise.

A cúpula petista defende trocas de ministros, principalmente do União Brasil, que controla Comunicações, Turismo e Integração. O partido tem uma bancada de 48 deputados e todos votaram contra o governo na sessão que derrubou a revisão do Marco do Saneamento. O projeto seguirá agora para análise do Senado.

Dirigentes petistas querem aproveitar o pedido de desfiliação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), para entregar a pasta a outra legenda. Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizar, Daniela pretende ir para o Republicanos, mas o partido – ligado à Igreja Universal – também ficou contra o Planalto no projeto que regulamenta as redes sociais e se declara “independente” em relação ao governo.

Em conversas reservadas, Lula disse que não pretende demitir ministros agora, mas quer saber o motivo das traições na base aliada. As reuniões com dirigentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB ocorrerão logo depois que o presidente voltar da viagem a Londres, onde vai participar, neste sábado, 6, da cerimônia de coroação do rei Charles III.

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Recursos

O Planalto começou a liberar uma parte dos R$ 10 bilhões em emendas a deputados e senadores, além de cargos no segundo escalão, como os da Sudam e da Sudene, conforme prometido a Lira. A verba é herança do antigo orçamento secreto e está hoje sob o guarda-chuva dos ministérios.

Mesmo assim, partidos com cargos no primeiro escalão se posicionaram contra a orientação do governo ao votar na sessão convocada para analisar os decretos de Lula. O PSB, por exemplo, tem três ministérios – Justiça, Portos e Aeroportos e Indústria e Comércio – pasta chefiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Dos 14 deputados da bancada, três votaram “não”.

O MDB controla Cidades, Transportes e Planejamento e, dos 32 deputados do partido, 31 ficaram contra Lula. O PSD, por sua vez, comanda Minas e Energia, Agricultura e Pesca e, dos 27 parlamentares presentes à sessão, 20 foram infiéis ao governo.

O primeiro teste do Executivo no Congresso era para ter sido mais simples do que os obstáculos previstos na tramitação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária. Mostrou, no entanto, vários desacertos no meio do caminho. No fim das contas, foram 295 votos contrários ao Planalto no Marco do Saneamento e 136 a favor.

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O projeto que suspendeu partes dos decretos de Lula teve como relator o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), sobrinho do ministro da Defesa, José Múcio. “A Câmara votou pelo respeito ao Parlamento. Não se faz decreto em cima de uma lei”, resumiu Monteiro.

No dia anterior, Lira tinha adiado a votação do PL das Fake News a pedido do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator da proposta. Embora nesse caso a derrota não possa ser debitada propriamente da conta do Planalto, o fato de o governo ter pedido para Silva encaixar no texto uma agência de supervisão das plataformas contaminou as discussões. A ideia foi carimbada pela oposição como “Ministério da Verdade” e a proposta ganhou o rótulo de “PL da Censura”.

Embate

Há uma queda de braço entre Lira e Padilha, além da desconfiança mútua. A leitura no Planalto é a de que Lira cria empecilhos porque quer ter de volta o controle do Orçamento. Silva e o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), são seus aliados. No caso do PL das Fake News, o presidente da Câmara quis prestar um serviço ao Planalto e adiou a análise do tema, mas, na votação dos decretos, agiu para derrubá-los.

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“É um recado? Evidente que é, por várias razões. Os líderes que encaminharam contra o governo vão ter de decidir se são ou não governo”, disse Guimarães no plenário. “A votação do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) hoje aqui na Câmara mostra que temos que fazer um freio de arrumação dentro do governo”, escreveu o deputado horas mais tarde, em post publicado nas redes sociais. E concluiu: “Vida que segue”.

Aliados de Lula afirmam que Guimarães quer ocupar a cadeira de Padilha e, para tanto, tem o apoio de Lira. O líder do governo nega que atue para dar uma rasteira no ministro.

Na busca de culpados sobrou até mesmo para Orlando Silva. Na avaliação de interlocutores do presidente, o relator deveria ter ouvido mais vezes as bancadas evangélica e do agronegócio, antes de as propostas virem à tona. “Os líderes dizem que se esse PL das Fake News ainda está de pé é pela consideração que têm comigo”, reagiu Silva. “A turma quer é esconder sua incapacidade, apontando o dedo para os outros.”

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