SÃO PAULO ― Enquanto golpistas invadiam o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto no domingo, 8, figuras da cúpula do governo federal e do governo do DF ficaram em evidência por suas ações (ou aparentes omissões) diante dos atos de vandalismo e depredação nas sedes dos Três Poderes.
Entre os nomes mais destacados que agiram ou se pronunciaram sobre o ato golpista estão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, o ministro do STF Alexandre de Moraes, o governador ― agora afastado ― do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e o secretário de Justiça do DF, Anderson Torres, afastado do cargo ainda no domingo e preso pela Polícia Federal neste sábado, 14.
Entenda onde estavam e o que fizeram cada um deles.
Anderson Torres
Anderson Torres acabou o domingo sem o mesmo cargo que ocupava no começo da manhã. Ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, Torres havia sido nomeado secretário de Segurança Pública do DF no dia 2 de janeiro pelo governador Ibaneis Rocha, mas foi exonerado enquanto os extremistas ainda depredavam o centro político de Brasília.
Ao contrário da maioria das autoridades diretamente envolvidas com o caso, Torres não estava em Brasília no domingo. O agora ex-secretário estava em uma viagem a Orlando, nos Estados Unidos, mesmo local onde Jair Bolsonaro está desde o mês passado. Não há informações sobre nenhum contato entre Torres e Bolsonaro no exterior.
Durante o ataque, o ainda secretário se manifestou pelas redes sociais, classificando os atos de vandalismo na capital federal como “cenas lamentáveis”. Na primeira manifestação, ele disse ter determinado ao setor de operações da secretaria “providências imediatas para o restabelecimento da ordem”.
Ao longo da tarde de domingo, Torres ainda fez outras duas publicações, afirmando ser “inconcebível a desordem e inaceitável o desrespeito às instituições” e que “Criminosos não sairão impunes”.
Assim como Ibaneis, Torres também foi imediatamente atacado por integrantes do governo federal, que o acusaram de omissão por não se preparar para os atos antidemocráticos já anunciados para a data.
No fim da tarde do domingo, a Advocacia-Geral da União pediu ao STF que decretasse a prisão em flagrante do secretário de Segurança Pública, em razão de suposta omissão em meio à invasão de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes. A decisão foi acatada pelo ministro Alexandre de Moraes na segunda-feira, 10.
Torres também foi alvo de uma operação de busca e apreensão expedida por Moraes. Na operação, agentes da Polícia Federal encontraram uma minuta de decreto para reverter o resultado da eleição. O ex-ministro de Bolsonaro alegou que o documento estava em uma pilha para ser descartado e que foi “vazado fora de contexto”. Ele voltou ao País na manhã deste sábado, 14, e foi preso pela Polícia Federal.
Em um pronunciamento publicado também através das redes sociais na madrugada de segunda-feira, Torres negou conivência com os atos golpistas. “Lamento profundamente que sejam levantadas hipóteses absurdas de qualquer tipo de conivência minha com as barbáries que assistimos”, escreveu Torres. E completou: “Estou certo que esse execrável episódio será totalmente esclarecido, e seus responsáveis exemplarmente punidos.”
Luiz Inácio Lula da Silva
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não estava em Brasília quando os bolsonaristas radicais tomaram o controle das sedes dos Três Poderes. O petista havia deixado a capital federal na sexta-feira, 6, para passar o fim de semana em São Paulo. No momento da invasão, ele cumpria agenda oficial em Araraquara, no interior paulista, para acompanhar os danos causados pelas chuvas na região, segundo informações do Palácio do Planalto.
Horas após o início do ato golpista, o presidente fez um pronunciamento ainda em Araraquara, anunciando a assinatura de um decreto autorizando uma intervenção federal na segurança pública do DF até 31 de janeiro. Na mesma entrevista coletiva, Lula nomeou como interventor o atual secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Capelli, considerado o braço-direito do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.
“É preciso que essa gente seja punida de forma exemplar, de forma que ninguém nunca mais ouse, com a bandeira nacional nas contas ou com a camiseta da seleção brasileira, para se fingirem de nacionalistas, de brasileiros, façam o que eles fizeram hoje”, disse o presidente, comparando os invasores a fascistas.
Lula também responsabilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro por incentivar seus apoiadores a realizarem atos violentos e antidemocráticos. Ele também garantiu que o governo vai identificar todos os responsáveis, inclusive quem financiou os atos.
O presidente retornou a Brasília ainda na noite de domingo, onde se encontrou com ministros de seu gabinete enquanto acompanhava a vistoria dos danos provocados pelos extremistas ao Palácio do Planalto. Na sequência, ele se encontrou com a presidente do STF, a ministra Rosa Weber, e o ministro Luís Roberto Barroso em frente ao prédio da Corte.
Na segunda-feira, 9, Lula trabalhou normalmente no Palácio do Planalto ― em um gesto, segundo o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, para mostrar à sociedade brasileira que “o conteúdo dos Três Poderes está preservado”, apesar do espaço físico ter sido violado.
O presidente recebeu o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber para uma reunião sobre os atos, e também se encontrou o com ministro da Defesa, José Múcio Monteiro e com os chefes das Forças Armadas: general Júlio Cesar de Arruda, comandante do Exército; almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha; e tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno, comandante da Aeronáutica.
À noite, Lula recebeu governadores dos Estados da Federação para tratar dos atos antidemocráticos e participou de um ato simbólico na Praça dos Três Poderes ao lado de lideranças políticas que se posicionaram contra os ataques em Brasília.
Jair Bolsonaro
Nos EUA desde o ano passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro se manifestou pela primeira vez sobre os atos golpistas em Brasília mais de seis horas após os extremistas furarem o bloqueio policial, sem resistência, e descerem o Eixo Monumental em direção às sedes dos Três Poderes.
Em uma publicação nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que atos como os ocorridos em Brasília “fogem à regra”. “Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra. Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade”, afirmou o ex-presidente em duas postagens no Twitter.
Em uma terceira publicação, conexa às anteriores, Bolsonaro disse repudiar as declarações de Lula, que o implicavam como tendo participação no ato do domingo. “No mais, repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil.”
Na segunda-feira, perfis de Bolsonaro nas redes sociais publicaram uma espécie de “prestação de contas” do mandato do ex-presidente, destacando ações de seu governo, mas não voltaram a mencionar os atos de vandalismo.
Em paralelo, Bolsonaro foi internado em um hospital nos EUA, após sentir dores abdominais. A internação do ex-presidente foi confirmada pelas redes sociais da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ela afirmou que as dores sentidas por Bolsonaro tem relação com a facada que ele sofreu durante a campanha presidencial de 2018.
Flávio Dino
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tornou-se o integrante da cúpula do governo Lula com mais aparições públicas desde a reta final do período de transição, quando as ameaças de terrorismo em Brasília começaram a aumentar, antes da posse presidencial.
No sábado, 7, um dia antes dos ataques, Dino autorizou a Força Nacional a atuar em Brasília contra “ameaças veiculadas contra a democracia”. Por meio de uma portaria, o ministro determinou que a unidade auxiliasse na proteção da ordem pública e do patrimônio público e privado entre a rodoviária da capital federal e a Praça dos Três Poderes - o que compreende a Esplanada dos Ministérios.
Na manhã do domingo, antes que os extremistas chegassem à Esplanada dos Ministérios, Dino afirmou que esperava que a polícia não precisasse atuar e que não houvesse violência. “Queremos que a lei prevaleça e não haja crimes”, escreveu Dino, acrescentando: “‘Tomada do Poder’ pode ocorrer só em 2026, em nova eleição”.
Com os atos já em andamento, o ministro assumiu a posição de principal autoridade de segurança pública federal em Brasília. “Essa absurda tentativa de impor a vontade pela força não vai prevalecer. O Governo do Distrito Federal afirma que haverá reforços. E as forças de que dispomos estão agindo. Estou na sede do Ministério da Justiça”, escreveu Dino logo após o começo da invasão.
Com a situação controlada ― e após o decreto de intervenção federal na segurança pública do DF ―, o ministro voltou a se pronunciar, e admitiu que houve erros e falhas das forças de segurança, subordinadas ao governo federal e ao governo de Brasília, na reação aos ataques extremistas às sedes dos três poderes.
Dino chegou a culpar uma “infiltração ideológica” nas instituições para explicar a agressão de golpistas não impedida pelo aparato armado do Estado, afirmando que isso permitiu omissões criminosas e conivências que explicam a concretização dos ataques. Segundo o ministro, preferências eleitorais levaram agentes públicos a se omitir ou prevaricar. Ele disse ainda que o problema é estrutural.
Nesta segunda-feira, 9, sem divulgar nomes, Dino afirmou que a Polícia Federal já identificou suspeitos de elo econômico com a tentativa de golpe em dez Estados. Segundo ele, os suspeitos teriam financiado a contratação de ônibus e material para levar extremistas à capital federal e devem agora ser alvo de medidas cautelares.
O ministro disse ainda que o “pior passou”, menos de 24 horas depois dos ataques às sedes dos Três Poderes.
Ibaneis Rocha
Ibaneis Rocha (MDB) começou o domingo como governador do DF e foi afastado do cargo antes do amanhecer da segunda-feira, 9. Principal responsável pela segurança pública em Brasília, Rocha foi duramente atacado por integrantes do governo por supostamente ter sido omisso e permitido que os atos golpistas chegassem ao ponto que chegaram.
De acordo com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ele e Ibaneis conversaram na véspera do ataque à Esplanada dos Ministérios sobre reforçar a segurança diante dos atos previstos para o domingo. O próprio governador, após os ataques, afirmou que seu governo monitorava a chegada dos extremistas a Brasília desde a tarde de sábado, 7, mas não acreditava “em momento nenhum, que essas manifestações tomariam as proporções que tomaram”.
“São verdadeiros vândalos, verdadeiros terroristas que terão de mim todo o efetivo combate para que sejam punidos. É isso que nós queremos”, afirmou na noite de domingo. “Isso que aconteceu foi inaceitável e eu, em momento nenhum, vou admitir. Nós vamos até o final”, acrescentou.
Enquanto os atos de vandalismo e depredação aconteciam no Congresso, no Planalto e no STF, o então governador do DF manteve diálogos com algumas das principais autoridades de Brasília, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o próprio Dino, mas seu primeiro pronunciamento público veio horas depois do começo dos ataques.
Em uma publicação no Twitter, o governador disse monitorar as manifestações e estar tomando “todas as providências para conter a baderna antidemocrática na Esplanada dos Ministérios”. Em outra postagem anexa, ele também anunciou a exoneração do Secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, e disse ter colocado todo o efetivo das forças de segurança nas ruas, com determinação de prender e punir os responsáveis pelos atos de vandalismo.
Pressionado por declarações do presidente Lula e de outras lideranças do PT, como a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, e o deputado federal Zeca Dirceu ― esses últimos que o acusaram de omissão e leniência ―, Ibaneis pediu desculpas a Lula pelo ocorrido em Brasília. Ele também se desculpou com a presidente do Supremo, Rosa Weber, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
“Todos sabem da minha origem democrática, todos sabem do meu trabalho junto à Ordem dos Advogados, na defesa da democracia do nosso País”, afirmou Ibaneis, que ainda acrescentou: “Nós vamos até o final com todas as apurações”.
Ainda no domingo, o governador foi afastado do cargo por 90 dias após uma decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que também determinou a “dissolução total”, em no máximo 24 horas, dos acampamentos antidemocráticos no entorno de quartéis em todo o País.
A decisão de Moraes ocorreu depois dos ataques de extremistas às sedes dos três poderes em Brasília, sem que houvesse uma imediata repressão das forças de segurança pública do Distrito Federal. Ao contrário, o ministro registra na decisão cenas de conivência. Moraes afirma que “diversos e fortíssimos indícios apontam graves falhas na atuação dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal, pelos quais é o responsável direto o governador”.
O Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) o bloqueio de bens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do governador afastado Ibaneis Rocha e de Torres. A ideia é que os bens ajudem a ressarcir os cofres públicos se ficar comprovada a responsabilidade deles nos atos. No âmbito político , o grupo da governadora interina do DF, Celina Leão (PP), que assumiu o cargo após o afastamento de Ibaneis, começou a articular, nos bastidores, uma estratégia para abrir um processo de impeachment contra ele, com o objetivo de mantê-la no comando do governo.
Alexandre de Moraes
Após determinar o afastamento de Ibaneis Rocha (MDB) do cargo de governador do DF, o ministro do STF Alexandre de Moraes ganhou notoriedade entre as figuras políticas que tiveram um papel relevante no contexto dos atos antidemocráticos do domingo, 8.
Na decisão de 18 páginas, Moraes afirmou que “diversos e fortíssimos indícios apontam graves falhas na atuação dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal, pelos quais é o responsável direto o governador”.
O ministro apontou haver indícios de ao menos oito crimes durante os atos em Brasília - atos terroristas, inclusive preparatórios; associação criminosa; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; ameaça; perseguição; incitação ao crime; e dano ao patrimônio público.
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“Absolutamente TODOS serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às Instituições, inclusive pela dolosa conivência - por ação ou omissão - motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo”, ressaltou o ministro.
Na mesma decisão, o ministro também determinou a “dissolução total”, em no máximo 24 horas, dos acampamentos antidemocráticos no entorno de quartéis em todo o País ― o que foi cumprido pelas Polícias Militares em diversas regiões do país no dia seguinte. As decisões de Moraes para impedir novos atos, bem como do afastamento de Ibaneis e a prisão de Torres, foram todas referendadas pelo plenário do STF.
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