Lula contesta na China poder do dólar; entenda como a moeda americana se tornou referência global

Presidente defendeu a criação de uma moeda comum nas transações entre Brics; especialistas explicam origem do dólar como moeda internacional e dificuldades em mudar modelo atual

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Por Ana Luiza Antunes
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou, nesta quarta-feira, 12, durante discurso na sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o uso exclusivo do dólar como lastro para exportações e defendeu a consolidação de uma moeda comum para transações entre os países do bloco, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

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“Toda noite me pergunto por que todos os países estão obrigados a fazer o seu comércio lastreado no dólar. Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade”, questionou o presidente na cerimônia de posse de Dilma Rousseff para comandar o NDB, também chamado de Banco dos Brics.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, há obstáculos para superar o monopólio americano e tanto a moeda brasileira quanto a chinesa estão longe de conquistarem essa sustentação internacional.

O presidente Lula discursou na cerimônia de posse de Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, e defendeu criação de uma moeda única para transações no bloco. Foto: Ricardo Stuckert

Origem do domínio do dólar

Pedro Paulo Bastos, professor de desenvolvimento socioeconômico, economia internacional e brasileira no Instituto de Economia da Unicamp, explica que a consolidação do dólar como moeda internacional tem origem no período posterior à Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos, em conjunto com a Inglaterra, criaram o padrão ouro-dólar e, ao mesmo tempo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

“A proposta era que não houvesse mais uma moeda nacional que funcionasse como moeda global, mas os Estados Unidos não aceitaram a proposta. Isso porque ter a principal moeda global lhe confere uma enorme vantagem. Os Estados Unidos podem financiar suas importações ou até remessas de investimento externo para o exterior com uma moeda nacional”, explica Bastos.

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À medida que a Europa é reconstruída e os demais países se tornam soberanos, aquela paridade entre dólar e ouro é cada vez mais questionada. “Passa a ter muito dólar no resto do mundo, principalmente na Europa, e os investidores começam a solicitar a conversão do dólar pelo ouro”, pontua.

Bastos comenta, no entanto, que essa movimentação impõe um limite na autonomia de política econômica, e os Estados Unidos, gradualmente, colocam restrições para que países convertam suas reservas de dólar em ouro. Em 1971, o tratado foi abolido de forma unilateral pelos norte-americanos. Passa a vigorar, então, um sistema monetário. “Isso permite uma enorme explosão nos meios de pagamento em escala Internacional e confere ao Estado americano um poder sem precedentes.”

Dólar no epicentro do mercado financeiro

Com a nova dinâmica, o sistema financeiro americano se tornou o principal ramo de atividade nos Estados Unidos. “A globalização é, na verdade, baseada no dólar, e as empresas que operam dólar têm muito mais vantagem do que o resto do mundo”, diz o economista. Bastos explica, por outro lado, que o novo sistema começou a ser “abusado” pelo governo americano, provocando ressentimento em alguns países. “Isso confere um enorme poder geopolítico para os Estados Unidos. (...) O governo americano pode decretar que um país ou empresas sejam simplesmente rejeitados desse sistema por motivos políticos”.

Neste cenário, o dólar se consolida como monopólio no mercado financeiro internacional e fica difícil para que outras moedas alcancem essa conquista. José Júlio Senna, chefe do centro de estudos monetários do FGV Ibre e ex-diretor do Banco Central, avalia que, para conquistar o mesmo poder e influência, a nova moeda citada por Lula teria de circular internacionalmente e ter grande conversibilidade, o que não é o caso nem da moeda chinesa, o yuan.

“Há um privilégio de quem é o emissor principal moeda (...) Precisa ter tamanho nas transações internacionais, ser um país de inflação tradicionalmente baixa e a moeda tem de ser conversível”, explica.

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O touro de Wall Street, instalado em 1989, representa o mercado financeiro. Foto: Eduardo Muñoz/Reuters

Alternativas

Em meio ao monopólio americano sob o dólar, a moeda chinesa yuan poderia despontar como uma alternativa, diz Pedro Paulo Bastos, uma vez que ela também circula de forma digital. No entanto, ele alerta para um limite em sua utilização.

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“Os bancos na China são fortemente regulados pelo Estado chinês e eles não têm esse poder político que o Wall Street tem junto ao Estado americano”, afirma. “Os chineses nunca vão querer que haja tanta primazia do sistema financeiro em relação aos outros interesses, como ocorre nos Estados Unidos.”

Bastos esclarece ainda que, apesar de facilitar processos de transação comercial, essa dinâmica é melhor para países que são deficitários em dólar, o que seria melhor para a China do que para o Brasil. “Como a China é deficitária no comércio com o Brasil, se ela precisar pagar o déficit com yuan é excelente. Melhor ainda seria se o Brasil só pudesse utilizar yuan na compra de mercadorias vindas da China. Mas não é o que vai acontecer. Essa é mais uma sinalização do ponto de vista político.”

Segundo Senna, a moeda chinesa não é facilmente conversível e as contas do país asiático são muito controladas internacionalmente. “Fica complicado para parceiros aceitarem a moeda da China. Não é um candidato efetivo para ocupar o lugar do dólar”, diz.

Conforme pontua, apesar de a moeda comum ser possível em grupos como o Brics, não há vantagens diretas para o Brasil, por exemplo. “Esse arranjos bilaterais, dentro de um grupo, são possíveis de serem montados. Mas, ao meu ver, não vão ter uma aceitação internacional”, conclui Senna.

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