Lula critica orçamento secreto, mas oposição já discute divisão de verbas em 2023

Com aposta em reeleição de Lira na Câmara e retorno do petista ao Planalto, Congresso deve aprovar uma manobra para manter controle do orçamento secreto no ano que vem

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Por Daniel Weterman
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BRASÍLIA - Ao mesmo tempo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz discurso contra o orçamento secreto, aliados do petista no Congresso já negociam a manutenção desse modelo, que prevê o rateio de R$ 19 bilhões em emendas parlamentares no ano que vem. O movimento ocorre porque a oposição vislumbra a vitória do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para mais um mandato à frente da Casa a partir de fevereiro de 2023. Diante desse quadro, os apoiadores da chapa Lula-Alckmin querem preservar a distribuição de recursos sob controle do Legislativo, mas com maior divisão entre as bancadas.

O Congresso deve aprovar nos próximos dias uma manobra de Lira para manter o controle do orçamento secreto em 2023, independentemente de quem for eleito presidente da República. A regra, revelada pelo Estadão, obriga o Executivo a pagar todas as chamadas emendas RP9 no próximo ano conforme a indicação dos parlamentares e exige a assinatura de um aliado direto do presidente da Câmara na hora da liberação, não apenas do relator-geral do Orçamento, como vem sendo feito pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

O ex-presidente e atual pré-candidato do PT ao Planalto em imagem de sábado, 2 de julho. Foto: Rafaela Araújo/AFP

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Mantido o esquema, a oposição não quer ficar de fora da distribuição dos recursos no próximo ano. Aliados de Lula criticam as manobras do presidente da Câmara para manter o poder mas, na prática, dão apoio silencioso à manutenção do esquema. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi desenhado para manter a distribuição dos recursos e deve ser aprovado nos próximos dias pelo plenário do Congresso, deixando as regras prontas para 2023. A proposta foi aprovada pela Comissão Mista de Orçamento na última quarta-feira, 29.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, envolve a distribuição de recursos federais a redutos eleitorais de deputados e senadores sem transparência. O governo usa os pagamentos para comprar apoio político no Congresso. Só em 2022, ano de eleições presidenciais, são R$ 16,5 bilhões, divididos entre Câmara e Senado. A cúpula do Legislativo quer aumentar o montante para R$ 19 bilhões no próximo ano e inclui na LDO uma regra que obriga o governo federal a enviar o projeto orçamentário de 2023 já com essa reserva garantida para as emendas secretas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, em foto de 25 de junho de 2022. Foto: Adriano Machado/Reuters

Publicamente, Lula vem criticando o orçamento secreto. Em março, ele classificou o Congresso atual como o “pior da história” ao citar as emendas. Depois da reação dos parlamentares, o presidenciável reduziu o tom, mas ainda fala contra o esquema. “Nós precisamos eleger uma grande bancada no Senado e nós precisamos eleger uma grande bancada na Câmara porque, se a gente não tiver muitos deputados e a gente não acabar com o orçamento secreto, será muito difícil eu e o (Geraldo) Alckmin fazermos o que nós precisamos fazer nesse país”, disse o petista em Salvador no último sábado, 2.

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O diagnóstico de líderes petistas, no entanto, vai na contramão do discurso de Lula e aponta para a reeleição de integrantes do Centrão nas urnas e a recondução de Lira no comando da Câmara. “O prognóstico mais seguro de concretização é de a atual maioria se manter maioria, talvez até de ter uma renovação não muito expressiva, principalmente por causa da emenda de relator. Se Eduardo Cunha praticava ilegalidades, financiou a campanha de deputados e derrubou a Dilma, o Arthur é com a emenda”, disse o líder da minoria no Congresso, Afonso Florence (PT-BA).

Na prática, parlamentares do PT e outros aliados de Lula já se beneficiaram do orçamento secreto nos dois últimos anos e também devem levar parte das emendas em 2022. Entre eles, estão os deputados Reginaldo Lopes (PT-MG), Paulo Guedes (PT-MG), Júlio Delgado (PV-MG), Paulinho da Força (SD-SP) e os senadores Rogério Carvalho (PT-SE), Fabiano Contarato (PT-ES), Humberto Costa (PT-PE) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Rogério Carvalho, por exemplo, deu o voto decisivo para aprovação de uma resolução que fixou as chamadas emendas RP9 no Orçamento.

A mesma divergência entre o discurso do candidato e a forma como a bancada do PT vota no Congresso ocorreu com a “PEC Kamikaze”. O ex-presidente afirmou que a proposta é uma tentativa de Bolsonaro de comprar voto. “Ele (Bolsonaro) acha que pode comprar o povo, acha que o povo é um rebanho, que o povo não pensa, ele acha que o povo vai acreditar em mentira, e não vai”, disse o petista durante evento em Salvador (BA) na sexta-feira, 1º. Seis dos sete senadores do PT, porém, votaram favoráveis à PEC. O senador Humberto Costa (PT-PE) se ausentou da votação.

Possível acordo sobre emendas

“Como tem uma expectativa de que o Lula ganhe a eleição e ele tem falado contra, a vontade da Câmara, e não é só do Arthur Lira, é esticar a corda para fazer um acordo”, afirmou Paulinho da Força, ao falar da adesão do PT e de outros partidos da oposição ao orçamento secreto. “Eu falei para o Lula: você quer que eu te fale quem são e quanto estão recebendo?”.

O deputado Paulinho da Força (Solidariedade) e o ex-presidente Lula (PT) em evento no começo de maio de 2022, quando a sigla do parlamentar oficializou o apoio à chapa Lula-Alckmin. Foto: Werther Santana/Estadão

Líderes petistas não querem expor o alinhamento com o orçamento de Lira, mas admitem que o esquema deve ser mantido com uma divisão das verbas. O que está em discussão são mudanças nas regras, com um rateio maior entre as bancadas do Congresso e a inclusão de projetos de interesse do PT no orçamento. “Hoje não tem uma resposta cabal. Primeiro, vai ter que estressar, puxar a disputa, tentar extinguir, tensionar e depois a gente vê. Esse é o jogo parlamentar”, disse o líder da minoria.

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Na semana passada, a CMO aprovou o relatório da LDO com o orçamento secreto impositivo e sob controle de Lira. Os congressistas rejeitaram simbolicamente um destaque que poderia retirar o pagamento obrigatório das emendas RP-9. Não houve apoio suficiente para realizar uma votação nominal, o que mostraria quem está a favor e contra o mecanismo. O PT e os demais partidos da oposição não deram apoio ao voto nominal. O texto deve ser mantido no plenário.

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“É mais fácil o Bolsonaro vetar do que a oposição ficar contra. A impositividade é porque não é justo um receber e o outro não”, disse o relator da LDO, senador Marcos do Val (Pode-ES). “O que vemos no Congresso é uma apatia moral. Muitos acham errado, muitos acham que não é o melhor caminho, mas ninguém se rebela, todo mundo fica quieto. É uma apatia moral assustadora”, afirmou a líder do Novo na comissão, Adriana Ventura (SP), que apresentou o destaque.

De acordo com interlocutores, Lula está convencido de que não governaria se Lira continuar controlando o orçamento. Aliados, no entanto, tentam convencer o petista a aceitar o jogo do presidente da Câmara para abocanhar parte dos recursos. O presidente do Solidariedade sugeriu ao petista apoiar a reeleição de Arthur Lira na presidência da Câmara para evitar uma derrota semelhante à de 2015, quando Eduardo Cunha (PTB) foi eleito e abriu o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e depois irrigar os projetos do governo com as emendas do orçamento secreto, se for eleito. “Se alguém imagina que vai voltar aquele modelo antigo que o orçamento fica nas mãos dos ministros... jamais”, afirmou Paulinho da Força.

A manobra de Lira desagradou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), aliado do ex-presidente Lula. Pacheco tentou convencer Marcos do Val a retirar os dispositivos do relatório, em uma reunião na residência oficial do Senado com Marcelo Castro e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), na véspera da votação da LDO pela comissão de Orçamento. No fim da conversa, no entanto, Pacheco e Eduardo Braga concordaram com a imposição das emendas, deixando Marcelo Castro isolado nas críticas.