Atos de insubordinação, 8 de janeiro e “coronel Cid”: o que está por trás da decisão de Lula

Lula demite comandante do Exército, Júlio César de Arruda, após general travar prisões em acampamento golpista e resistir em cancelar nomeação de coronel que era ajudante de ordens de Bolsonaro; substituto será o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva

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Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu neste sábado, 21, o comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, e nomeou para a chefia da Força Terrestre o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. O Exército não informou o motivo da exoneração de Arruda, que deixa o cargo apenas 23 dias após assumir e em meio a um clima de tensão envolvendo o atual governo e os militares após os atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, confirmou na noite de ontem que a saída de Arruda se deve a uma quebra de confiança com o governo. “Evidentemente, depois desses últimos episódios, a questão dos acampamentos, a questão do dia 8 de janeiro, as relações, principalmente do comando do Exército, sofreram uma fratura no nível de confiança”, afirmou Múcio. “Precisávamos estancar isso logo no início desse episódio, até para que nós pudéssemos superar esse episódio.” O ministro deu a declaração no Palácio do Planalto, após reunião com Lula.

O ministro da Defesa, José Múcio, apresenta o novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, nomeado pelo presidente Lula. Foto: Wilton Junior/Estadão

Segundo relatos colhidos no Exército e no Planalto, Arruda foi demitido por três fatores principais. Primeiro, Lula ficou irritado com a resistência no Comando do Exército de permitir a prisão no acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel-General em Brasília, na noite da invasão e depredação das sedes dos Poderes. Pesou também para a demissão do comandante os fortes indícios de que o Comando Militar do Planalto, ligado ao Exército, falhou significativamente na contenção dos ataques.

Coronel Cid

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O terceiro fator, visto como a gota d’água nas relações de confiança, foi a resistência de Arruda para exonerar o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, conhecido como “coronel Cid”. Fiel escudeiro de Jair Bolsonaro e ajudante de ordens do ex-presidente, Cid foi nomeado para chefiar o 1.º Batalhão de Ações de Comando do Exército em Goiânia. Foi grande a pressão para que a nomeação fosse cancelada por Arruda, o que não ocorreu.

O general foi demitido um dia após ele e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica se reunirem com Lula e os ministros da Defesa e da Casa Civil, Rui Costa. De acordo com ministros ouvidos pela reportagem, houve um clima de forte tensão entre membros do governo, com discussões sobre a anulação da nomeação.

Reportagem publicada na sexta-feira pelo site Metrópoles revelou dados de investigações que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo Cid e transações financeiras – muitas delas em espécie – que o coronel realizava para Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

O Estadão tentou contato com Arruda, mas seu telefone estava desligado. O ministro da Defesa esteve pela manhã com o comandante demitido e depois se reuniu com o seu substituto. “Conversamos hoje com o general que estava no comando logo cedo, o general Arruda, que eu faço as minhas melhores referências. E por isso eu queria apresentar o seu substituto, o general Tomás, que hoje é o novo comandante do Exército”, disse Múcio, sem responder aos questionamentos da imprensa.

‘Alternância’

Integrante do Alto-Comando, o general Tomás Paiva defendeu o processo eleitoral do País em evento no dia 18 e disse que o resultado das urnas deve ser respeitado. Foi o primeiro general a fazer uma manifestação pública desde os atos golpistas do dia 8.

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Ele era apontado por petistas como o favorito para assumir o comando do Exército durante a transição e possui trânsito entre tucanos. “Vamos continuar garantindo nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse.

Nas duas últimas semanas, cresceu o mal-estar entre Lula e Arruda, mas havia dúvidas dentro da cúpula do PT sobre os desdobramentos que uma demissão do comandante poderia causar. O receio era ampliar a crise com as Forças. Arruda foi escolhido pelo critério da antiguidade nas fileiras militares, mas era visto dentro do Exército como alguém mais fechado e ligado à direita. No café da manhã que Lula teve com jornalistas, o presidente fez um comentário sobre a sua irritação com Arruda, mas sem citar seu nome.

“Tinha dois tanques lá. Aqueles tanques, pela imagem que vi, estavam mais protegendo o acampamento do que protegendo Brasília. Aí, o general me ligou dizendo: ‘presidente, é muito perigoso entrar de noite no acampamento, tem muita gente, pode acontecer uma desgraça’. Eu falei: ‘tudo bem, não estou pedindo para deixar entrar, estou pedindo para não deixar ninguém sair. E, no dia seguinte, as pessoas saem e vão para o ônibus’. E foi o que aconteceu. As pessoas foram para o ônibus, não sabiam que iam ser presas, e foram presas”, afirmou Lula.

Presidente Lula cumprimenta o novo comandante do exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Foto: Ricardo Stuckert/Brazilian Presidency/AFP

Tomás Paiva, que agora assume o comando do Exército, é oficial de infantaria, tido como um dos nomes mais moderados da caserna e com boa aceitação no futuro governo, especialmente porque teria desenvolvido relações mais próximas com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Tomás foi ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Sempre nutriu relações com os tucanos, desde então.

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Articulado e crítico de episódios de politização na caserna, ele disse, ao longo de 2022, que as Forças “não andam ao sabor de um governo ou de outro” e são comprometidas com a Constituição. Durante a pandemia, afirmou que a covid-19 era “a missão mais importante de sua geração”.

O discurso que fez no Comando Militar, em São Paulo, na semana passada, foi em cerimônia de homenagem do Comando Militar do Sudeste aos militares do 11.º contingente da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti que morreram no terremoto de 12 de janeiro de 2010.

COLABORARAM MARCELO GODOY, RENATO VASCONCELOS E RUBENS ANATER