Lula diz que igrejas não podem ter ‘partido político’ e acusa Bolsonaro de tentar comprar votos

Petista faz defesa do Estado Laico, volta a criticar chefe do Executivo por turbinar benefícios sociais em ano eleitoral e exalta ex-presidente Dilma em comício no Anhangabaú

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Foto do author Eduardo Gayer
Foto do author Luiz Vassallo
Por Eduardo Gayer, Matheus de Souza e Luiz Vassallo
Atualização:

Em comício no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, criticou o uso de igrejas como palanque político e a circulação de fake news religiosas.

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“Tem demônio sendo chamado de Deus e tem gente honesta sendo chamada de demônio. Tem gente que não está tratando igreja para tratar da fé ou da espiritualidade, está fazendo da igreja um palanque político ou uma empresa para ganhar dinheiro”, discursou o petista.

Como mostrou o Estadão, as campanhas de Lula e do presidente Jair Bolsonaro testam limites do discurso religioso na eleição. A primeira semana de campanha foi marcada pela “guerra santa” entre os dois rivais. Pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta, 18, mostrou que Bolsonaro subiu de 43% para 49% entre os evangélicos, enquanto o petista caiu de 33% para 32%.

“Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo o Estado Laico. O Estado não tem que ter religião, todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado. Mas, também quero dizer, as igrejas não têm que ter partido político, porque as igrejas tem que cuidar da fé e da espiritualidade das pessoas, e não cuidar da candidatura de falsos profetas, ou de fariseus, que estão enganando esse povo o dia inteiro”, afirmou a uma plateia de 70 mil pessoas, de acordo com os organizadores do comício.

Segundo o ex-presidente, ele fez as críticas “com a tranquilidade de um homem que crê em Deus” e que “não precisa” de interlocutores. “Eu não preciso de padre ou de pastor, eu posso me trancar no meu quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser sem pedir favor a ninguém”, afirmou.

Lula também incentivou seus apoiadores a enfrentar “pastores que estiverem mentindo” e não deixar “nenhuma mentira” sem resposta. Apoiadores de Bolsonaro tentam reeditar a pauta do “kit gay” de 2018, vendendo o ex-presidente como um político que “fecharia igrejas”, se eleito. A disputa pelo eleitorado religioso tomou conta dos discursos dos candidatos já no primeiro dia de campanha.

Fernando Haddad, candidato ao governo de SP, Lula e Janja, mulher do ex-presidente, durante comício no Vale do Anhangabaú Foto: Werther Santana/Estadão

Apesar de Lula ter criticado o uso de igrejas como palanque político, integrantes de sua campanha continuam a acenar para eleitorado evangélico. Durante o comício, seu candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), citou a religião ao dizer que “Deus nos inspira a ter compaixão e solidariedade”, valores que levarão Lula a cadeira presidencial, segundo o ex-tucano.

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“Deus nos inspira a ter compaixão pelos que sofrem, pelos que adoecem, Deus nos inspira a ter solidariedade com os que têm menos, Deus nos inspira a ter tolerância com os que divergem. É com compaixão, tolerância e solidariedade, que vamos fazer do Lula o grande presidente desse País”.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), responsável pela coordenação de campanha do petista, afirmou que a população não pode cair na “cilada” do governo de colocar uma religião contra a outra. “Nos inspiremos no próprio mandamento da religião. Foi Cristo quem disse, dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus. Então não caímos na armadilha deles, aqueles que utilizam o nome de Deus em vão não são dignos do exercício do poder político”, disse.

As falas combinam com o discurso do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que, durante sabatina do Estadão nesta sexta-feira, 20, criticou a “nova ameaça” do governo de opor uma religião a outra. “Agora vem uma nova ameaça, na questão religiosa, você opor uma religião a outra em um País que acolheu gente de todos os credos, e que sempre festejou, de certa maneira, o fato de nós convivermos pacificamente”, afirmou.

Auxílio Brasil

Em seu discurso, Lula ainda afirmou que Bolsonaro tenta comprar votos ao turbinar benefícios sociais no País às vésperas da eleição. Com apoio da oposição, o governo federal aprovou, em ano eleitoral, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que elevou o Auxílio Brasil a R$ 600 e criou programas como o vale-gás e o voucher-caminhoneiro. Todas as medidas expiram no final do ano.

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“Ele está tentando comprar votos com a quantidade de dinheiro que está liberando. Até a gasolina começou a baixar. É tudo medo do Lula”, criticou o petista no comício. “Mas, meu caro capitão, esse povo aqui não é besta como você pensa”, seguiu. “Vai entregar a faixa, sim”, afirmou Lula. Até hoje, Bolsonaro não se comprometeu a entregar a faixa presidencial a outra pessoa caso perca as eleições de outubro.

Para Lula, Bolsonaro “rói as unhas” após cada pesquisa eleitoral. No discurso no Anhangabaú, que contou com a presença de Alckmin e dos candidatos ao governo e Senado em São Paulo, Fernando Haddad (PT) e Márcio França (PSB), Lula reiterou a promessa de reajustar a tabela do imposto de renda e de aumentar o salário mínimo acima da inflação todos os anos. Também sinalizou a retomada do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. “Bolsonaro que pegue o Casa Verde e Amarela e enfie onde ele quiser”, discursou, em referência ao programa do atual governo que substituiu o Minha Casa, Minha Vida.

Dilma foi ‘absolvida pelo povo’, afirma petista

Após ser classificado como “um dos maiores gestores deste País” pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que ganhou lugar destacado no palco, Lula exaltou a correligionária, comparou a ex-presidente ao mártir da Independência, Tiradentes, e afirmou que Dilma foi “absolvida pelo povo brasileiro”. Para Lula, que classificou seu processo de impeachment como um erro histórico do Legislativo, ela foi uma “vítima” do Congresso Nacional. “Inventaram uma mentira contra ela, inventaram uma pedalada. Imagina o que é uma pedalada da Dilma contra as motociatas que esse genocida faz hoje”, criticou.

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“Eu queria agradecer o carinho (com) que vocês receberam nossa presidenta Dilma. Porque normalmente, às vezes, a extrema direita condena um dos nossos, e muitas vezes nós acreditamos em parte da mentira contatada. Muitas vezes nós acreditamos naquilo que eles falam e repetem, falam e repetem.”

Para Lula, a recepção do público marcou a “absolvição” da ex-presidente. “Você (Dilma) foi inocente, deram um golpe”, disse o petista. Em sua fala, Dilma exaltou os correligionários e afirmou que voltou à cena política porque o País vive um momento crucial. “Estou aqui porque estamos vivendo um momento decisivo. Nós temos a oportunidade de reconstruir o nosso País, de reconstruir a autoestima do nosso povo”, afirmou a ex-presidente.

Desde maio, durante a pré-campanha, o PT tem feito um esforço para ampliaria campanha de Lula para além de suas hostes. O comício deste sábado, mais uma vez, foi marcado pelo uso da bandeira brasileira no telão. No início do ato, foi realizada a execução do hino nacional. Mesmo assim, a maior parte das bandeiras levadas por militantes fazia alusão ao PT, a Lula e ao PSOL.

O ex-presidente Lula durante comício em São Paulo; bandeira do Brasil ganha destaque no ato político Foto: Werther Santana/Estadão

Como mostrou o Estadão, a chegada do marqueteiro Sidônio Palmeira também foi acompanhada de acenos maiores para fora das bases. Sidônio fez a cor vermelha do PT dividir e ter até menos espaço do que o verde e amarelo na propaganda petista.

O ato foi também marcado pela presença de aliados mais ao centro no palco e na plateia. O ex-senador tucano Aloysio Nunes (PSDB) marcou presença. No meio da área em frente ao palco, e junto do palco, também estava Cândido Vaccarezza (Avante), que apoia Lula nacionalmente e Rodrigo Garcia (PSDB) ao Palácio dos Bandeirantes.

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