Lula e sua alternativa ao dólar: geopolítica vai ditar viabilidade de outras moedas; leia análise

Discurso do presidente em Xangai ecoa tentativa da China de internacionalizar uso do yuan; moeda chinesa já responde por cerca de 5% das transações mundiais; professor da FGV, Armando Castelar avalia possibilidade de tese de Lula prosperar

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Por Armando Castelar*
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Uma moeda tem três funções. Uma delas é uma unidade de conta: é com base nela que se fixam os preços e se faz a contabilidade. A segunda é um meio de pagamento. Já a terceira é uma reserva de valor; isto é, é nela que se mantêm os recursos poupados. O debate trazido pelo presidente Lula em Xangai se refere ao uso do renminbi ou yuan, a moeda nacional da China, como meio de pagamento no comércio internacional. Irá essa ideia prosperar?

A China vem tentando internacionalizar o yuan. E, de fato, seu uso no comércio internacional aumentou no último ano, para cerca de 5% do total de transações, graças ao seu maior uso no comércio entre China e Rússia. Com a China respondendo por quase um sexto do comércio internacional, ainda há espaço para ampliar essa proporção. Para isso, porém, o renminbi terá de ganhar espaço nas duas outras funções.

Notas de yuan, a moeda chinesa, também conhecida como renminbi. Foto: Dado Ruvic/Reuters

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Primeiro, é preciso que os preços internacionais sejam cotados na moeda chinesa, como no caso das commodities. Há um esforço nessa direção, com o desenvolvimento de produtos financeiros e bolsas de valores de commodities na China. Nos produtos em que esta é uma grande importadora, como minério de ferro, essa iniciativa pode prosperar.

Segundo, é necessário que se possa manter recursos em ativos financeiros denominados na moeda chinesa. Por exemplo, que se possam ter contas bancárias ou investir em papéis denominados em renminbi. Aqui há menos espaço para avanço, pois a China tem uma conta de capital relativamente fechada.

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Outro problema, claro, é que de um prisma econômico a melhor alternativa é realizar todo o comércio internacional em uma só moeda. O uso de mais de uma moeda pode até funcionar nas relações bilaterais, mas fora disso traz custos: o Brasil exporta mais do que importa da China, para usar o excedente talvez precise usar outra moeda. Esse fator limitou o maior uso do euro, por exemplo.

A questão é que moeda deve ser essa. E aqui entram em cena fatores geopolíticos, especialmente após o ocorrido com os ativos russos mantidos em dólar e euro. Mais do que a lógica econômica, a geopolítica pode determinar em que grau o yuan e outras moedas, podem ganhar espaço nas trocas internacionais.

* Armando Castelar é professor da FGV Direito Rio

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