Lula estendeu a mão para o eleitor de centro em sabatina no Jornal Nacional; leia análise

Entrevista reforça instinto político do ex-presidente, que busca falar para fora de sua própria bolha

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Por Guilherme Casarões

Em sua rodada de entrevistas aos presidenciáveis, o Jornal Nacional mostrou um Lula visivelmente nervoso no início, mas resoluto nos compromissos. Sua sabatina envolveu um misto de otimismo no futuro e nostalgia dos seus tempos de governo.

O tom da conversa permaneceu morno, no entanto, até a última pergunta, que versou sobre política internacional: o que dizer dos críticos que acusam o Partido dos Trabalhadores de ter relações com ditaduras de esquerda ao redor do mundo?

Ao contrário de seu principal adversário, que somente fala para a própria bolha, o ex-presidente decidiu estender a mão para o eleitor de centro. Foto: TV Globo

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A resposta do ex-presidente começou com uma firme declaração em defesa do princípio da autodeterminação dos povos. Não surpreende: esse tem sido um dos valores centrais à política externa brasileira e à própria trajetória internacional do PT.

A partir daí, Lula poderia ter seguido dois caminhos diferentes. O primeiro seria fazer uma apologia aos regimes de Venezuela, Nicarágua ou Cuba, com os quais manteve relações pessoais e partidárias nas últimas décadas. Seria vender as grandes obras no exterior, financiadas por seu governo, como parte de um projeto de desenvolvimento nacional. Seria, talvez, condenar vocalmente o imperialismo do Ocidente em nome da afirmação soberana do Sul Global.

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Todas essas coisas já fizeram parte do repertório de Lula, em passados distantes e recentes. Essa trilha certamente lhe renderia aplausos da militância, de certos dirigentes e de grupos de esquerda radical que acham que democracia é coisa de burguês.

Mas o instinto político de Lula o levou para o segundo caminho. Ao contrário de seu principal adversário, que somente fala para a própria bolha, o ex-presidente decidiu estender a mão para o eleitor de centro. Pautou seu discurso pelo óbvio, mas que sempre precisa ser lembrado: o Brasil é um país de vocação universalista – e assim deve permanecer, apesar dos percalços dos últimos anos.

E o que isso significa, em termos concretos? Que somos um país cuja habilidade diplomática, o caráter pacifista e a crença no multilateralismo nos permite transitar, com relativa tranquilidade, pelos diversos círculos da política internacional. Que é possível mobilizar a vocação brasileira para resolver conflitos e promover o desenvolvimento da região e do mundo. Que nossa reputação é fruto não somente de recursos naturais, territoriais e econômicos, mas da maneira como lidamos com eles.

Após oito anos de governo, marcado por uma política externa relativamente bem-sucedida, Lula soube aproveitar a oportunidade para valorizar aquilo que fez de melhor – valorizar e amplificar o potencial diplomático do Brasil. A grande questão será adaptar essa qualidade aos novos tempos, mais radicalizados, mais violentos e menos cooperativos.

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A julgar pelos últimos movimentos, Lula e seu companheiro Geraldo Alckmin, mencionado diversas vezes na entrevista, parecem ter clareza da extensão dos desafios brasileiros no mundo. Sabem, acima de tudo, que diplomacia envolve diálogo, conciliação e moderação – ingredientes indispensáveis para o futuro do Brasil.

Professor de Ciência Política e Relações Internacionais

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