RIO – Um dia depois de a Polícia Federal deflagrar uma investida para desarticular um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) contra o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira, 23, que as suspeitas são uma “armação” do ex-juiz da Lava Jato, que reagiu e cobrou “decência”. As falas contradisseram declarações do ministro da Justiça, Flávio Dino. O auxiliar do petista tinha conhecimento havia 45 dias das investigações e chamou de “mau-caratismo” a tentativa de politizar “uma operação séria”.
“Quero ser cauteloso. Vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro. Eu vou pesquisar e saber o ‘porquê’ da sentença. Até porque fiquei sabendo que a juíza (Gabriela Hardt, da 9.ª Vara Federal de Curitiba) não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele”, disse Lula durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio.
Nesta quinta, Gabriela levantou o sigilo da decisão que autorizou a ação da PF que levou 11 à prisão. A Operação Sequaz apontou que a facção planejava atentados contra autoridades – além de sequestrar e matar Moro, também estava na mira o promotor paulista Lincoln Gakyia. Como mostrou o Estadão, o objetivo era resgatar da cadeia o líder do grupo, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Foram gastos R$ 5 milhões na ação criminosa.
A juíza sobre a qual Lula também fez uma ilação atuou com Moro na 13.ª Vara Federal de Curitiba, na Lava Jato. Ambos interrogaram o petista em processos nos quais ele foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, proferiu decisões em série que o beneficiaram: mudou entendimento sobre prisão em segunda instância (o que deu a liberdade a Lula); decretou a incompetência de Curitiba para julgar crimes na Petrobras e anulou processos (o que lhe reabilitou direitos políticos); e ainda declarou Moro parcial.
Operação Sequaz
“Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação e, se for mais uma armação, ele (Moro) vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei mais o que ele vai fazer da vida se continuar mentindo como está mentindo. Mas o Moro não é minha preocupação”, disse o presidente.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, foi escalado para tentar minimizar a declaração. Segundo ele, o presidente não tinha o intuito de questionar o trabalho da PF, mas, sim, o “método já conhecido” da Lava Jato. “O que gera o questionamento foi esse conjunto de coincidências, fatos, que acabam trazendo revolta e toda uma memória sobre um método que foi utilizado contra ele várias vezes, com os mesmos personagens. Muito mais do que como presidente, mas como ser humano, é natural o sentimento de indignação”, disse Pimenta.
Na terça-feira, 21, um dia antes da operação, Lula disse em entrevista à TV 247 que, enquanto esteve preso em Curitiba, pensava em vingança: “Só vou ficar bem quando foder com o Moro”.
Na quarta, a oposição atrelou a declaração de Lula à operação da PF. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, associou a esquerda ao assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), ao atentado que ele mesmo sofreu em 2018 durante campanha eleitoral e ao plano do PCC contra Moro, desarticulado pela PF.
Dino chegou a chamar de “vil” qualquer relação entre os episódios. Segundo o ministro da Justiça de Lula, a operação mostrou que “não há nenhum aparelhamento do Estado, nem a favor nem contra ninguém”. Dino disse, ainda, que a operação foi feita “em defesa da vida e da integridade de um senador que é oposição ao governo”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por sua vez, afirmou que o plano era uma “agressão” e um “ataque” ao Congresso.
Interlocutores de Lula atribuem as falas desastradas à instabilidade emocional provocada toda vez que ele se lembra dos 580 dias em que esteve preso. Pessoas próximas dizem que o petista sempre chora ao comentar a passagem pelo cárcere. Em conversas reservadas, aliados reconhecem o dano causado pelas últimas declarações.
Moro rebateu as declarações de Lula. “Se acontecer algo, a responsabilidade é de Lula”, afirmou o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro em entrevista à CNN Brasil. Na entrevista, o senador disse também que espera, “no mínimo, uma retratação” e que, até o momento, não foi procurado por membros do PT ou congressistas da base do governo para um pedido de desculpas. “Vejo o presidente dando risada de uma família ameaçada pelo crime organizado. Essas declarações me causaram muita revolta”, disse.
O senador ainda que lançou um questionamento, durante a entrevista: “Quero perguntar ao senhor presidente da República: o senhor não tem decência? O senhor não tem vergonha com esse seu comportamento? O senhor não respeita a liturgia do cargo? O senhor não respeita o sofrimento de uma família inocente? O senhor não respeita o combate que os agentes da lei, e aqui eu me incluo, como ex-ministro da Justiça e, antes, juiz, fizemos ao crime organizado?”.
Mais cedo, antes de Lula falar em “armação”, Moro havia pedido que Lula apoiasse seu projeto de lei para punir quem planeja atentados contra autoridades. “Gostaria de ter apoio também dos membros do PT. É um projeto suprapartidário”, disse em entrevista à Rádio Eldorado.
Já o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que foi coordenador da força-tarefa que apurou desvios na Petrobras, também criticou a fala de Lula. “Em vez de se colocar ao lado da lei, das forças de segurança e das vítimas, Lula se colocou ao lado do PCC”, afirmou o ex-procurador da República.
“Lula ataca a credibilidade de seu ministro da Justiça, dos presidentes da Câmara e do Senado, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, do Gaeco do MPSP e da Justiça, como se fossem farsantes e mentirosos, em mais uma teoria da conspiração lulesca que nega a realidade”, escreveu Dallagnol, em uma rede social.
O deputado federal Lindenberg Farias (PT) saiu em defesa do presidente e disse que concorda com a suspeita levantada por Lula. “Ninguém está questionando a operação da Polícia Federal. Agora, é muito estranho o Lula dar entrevista num dia e a (juíza) Gabriela Hardt, que todo mundo conhece a ligação com Moro, deflagrar a operação no outro dia e ser também iniciada uma operação nas redes sociais tentando associar as duas coisas. Isso é que é estranho, e eu concordo com o Lula”, afirmou o deputado, que acompanhou visita de Lula às obras de reconstrução do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (zona norte do Rio).
Entenda a investigação
- Operação
A Operação Sequaz foi deflagrada pela Polícia Federal para desmantelar um plano que mirava o ex-juiz e agora senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). A ofensiva ocorreu cerca de 45 dias após o início das investigações
- Investigações
A PF foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo, que identificou risco à segurança de Moro e também do promotor de Justiça Lincoln Gakiya. Mais de cem agentes foram às ruas cumprir 11 mandados de prisão em Mato Grosso do Sul, Rondônia, São Paulo e Paraná. O efetivo vasculhou 24 endereços
- Histórico
Então ministro da Justiça e Segurança Pública, Moro coordenou a transferência e o isolamento de lideranças do PCC para presídios federais, entre eles Marcola. Já Lincoln Gakiya integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e é responsável por investigações sobre a facção
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