O encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com líderes evangélicos na terça-feira, 15, quando sancionou o projeto de lei que cria o Dia Nacional da Música Gospel, continua repercutindo. Nesta quinta-feira, 17, o presidente fez uma provocação ao deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), que participou da cerimônia de assinatura do projeto no Palácio do Planalto.
“O deputado foi lá e fez uma declaração dizendo que não votou em mim, que muitos evangélicos não votaram em mim, mas que reconhece que tudo para os evangélicos foi feito por mim. Deu vontade de perguntar: se você reconhece isso, por que votou no Bolsonaro?”, disse Lula em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador.
Na mesma entrevista, o petista afirmou que as declarações de Otoni a seu favor fizeram o deputado do Rio de Janeiro ser “triturado” por bolsonaristas.
Durante o encontro com líderes evangélicos, o ex-bolsonarista —que no ano passado se tornou réu no STF por chamar Alexandre de Moraes de “cabeça de ovo”, “lixo”, “esgoto” e “latrina”— chamou Lula de “meu presidente” e afirmou que orava por ele, além de ressaltar os acenos do petista aos evangélicos, como a criação do Dia Nacional da Liberdade Religiosa em seu primeiro mandato.
“Presidente, se aproxime sem reserva. Se aconchegue. Tem lugar na mesa do Pai para termos comunhão. Gostando ou não politicamente de Vossa Excelência, não temos outra opção pela Bíblia a não ser orar por Vossa Excelência”, afirmou Otoni. “Quis o destino que eu, um dos mais combatentes defensores do antigo governo e seu crítico político, estivesse aqui hoje”, acrescentou.
O ex-vice-líder do governo de Jair Bolsonaro (PL) declarou ainda que, embora a maioria dos evangélicos não tenha votado em Lula, eles estão “entre os brasileiros mais beneficiados pelos programas sociais de seu governo”. Ele citou o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida como exemplos de políticas que ajudam “essa gente humilde e temente a Deus”.
Seis dias antes do evento da última terça, Otoni afirmou que o governo do PT era antissemita por não querer fazer negócios com Israel. Como mostrou a Coluna do Estadão, a declaração deixou auxiliares de Lula surpresos, já que ele é considerado ponte entre o governo e o mundo evangélico. Nas eleições municipais no Rio, o deputado apoiou a reeleição de Eduardo Paes (PSD) contra Alexandre Ramagem (PL), candidato do bolsonarismo.
“A igreja não pertence ao bolsonarismo, nem ao petismo”
Em entrevista ao jornal O Globo, o emedebista declarou que a igreja deve se posicionar acima das divisões políticas entre PT e bolsonarismo.
“Eu apenas quis mostrar que a igreja não pertence ao bolsonarismo nem ao petismo, está acima disso, embora pareça desde 2018 que fomos arrebatados pela política. O fato de eu ter antagonismo político com o PT não muda o papel da igreja de orar pelas autoridades. Mas ficaria incoerente levantar uma bandeira pró-Lula.”
O deputado também afirmou que seus votos “não vêm do bolsominion” e que as eleições de 2022 ensinaram a necessidade de “mais humildade e diálogo” com lideranças religiosas.
“Acharam que Bolsonaro falar ‘vote em Fulano’ bastava. Isso é arrogância, a igreja evangélica não vai a reboque. O eleitor vota em quem faz políticas públicas que chegam até ele, e o evangélico não é diferente”, disse Otoni.
Acenos aos cristãos
A sanção do Dia da Música Gospel por Lula representa mais um aceno para o eleitorado cristão. No mês passado, o presidente também sancionou outras três leis sobre temas religiosos, igualmente de caráter simbólico.
Passaram a valer a lei que reconhece o cristianismo como manifestação cultural nacional, bem como outra que reconhece da mesma forma a festividade religiosa Círio de Nazaré, realizada na cidade de São Luís (MA) —há outra celebração com o mesmo nome em Belém (PA)— e o Dia do Pastor Evangélico, data celebrada no segundo domingo de junho.
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Em abril, outra estratégia do petista mirando uma aproximação com a temática religiosa foi o lançamento da campanha publicitária “Fé no Brasil”, que, falando de programas sociais do governo, alegou avanços na economia, na educação, na saúde e no agro e se propôs a mostrar que, “apesar de pensarem diferente”, todos se beneficiam com os avanços sociais.
Como mostrou o Estadão, a estratégia foi adotada após pesquisas encomendadas pelo Palácio do Planalto mostrarem queda na popularidade do presidente, especialmente no segmento evangélico, que representa 30% do eleitorado.
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