Após exonerar quase a metade da Comissão de Ética Pública da Presidência da República nomeada por Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu para as vagas um advogado que já o representou na Operação Lava Jato, um ex-defensor do petista Jaques Wagner e uma desembargadora associada às pautas da esquerda e do PT. As nomeações foram divulgadas no Diário Oficial da União nesta terça-feira (7).
As substituições demonstram o desconforto do governo em manter na Comissão de Ética membros do primeiro escalão da gestão anterior, como o ex-ministro da Secretaria de Governo Célio Faria Junior e o assessor especial da Presidência João Henrique Freitas. Fábio Prieto, atual secretário de Justiça de São Paulo, também foi destituído. As exonerações ocorreram após o órgão ter beneficiado ex-ministros de Bolsonaro, como mostrou o Estadão.
No lugar dos antigos membros, passam a compor a comissão o advogado que integrou a transição do governo, Bruno Espiñeira Lemos - que já defendeu o ex-governador da Bahia Jaques Wagner -, a desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) Kenarik Boujikian e o ex-advogado de Lula em ações da Lava Jato Manoel Caetano Ferreira Filho.
Autonomia do órgão
Mas, afinal, é possível trocar os membros da Comissão de Ética a qualquer momento? Como fica a autonomia do órgão? Para o advogado especializado em compliance e regulação financeira Rafael Edelmann Baptista, mesmo com os conselheiros em pleno exercício de mandato, a exoneração feita por Lula não é caracterizada ilegal, já que o presidente tem poder para destituir membros da comissão a qualquer momento. “Como a nomeação de membros da Comissão de Ética da Presidência é um ato do presidente em exercício, o presidente anterior tinha competência para tanto até o fim do seu mandato”, afirmou.
Baptista ressaltou que a comissão tem autonomia para investigar, podendo acessar informações ainda que sigilosas e requisitar entrevistas com agentes da administração federal. “(A comissão) Tem autonomia para recomendar sanções às autoridades competentes, sem que seus membros sofram retaliação.”
Roberto Livianu, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, doutor em Direito pela USP e procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, destacou que não existe nenhum impedimento para destituição e nomeação de membros para a comissão. Segundo ele, o órgão tem caráter consultivo. “Para que houvesse um mandato no sentido pleno do termo, precisaríamos de lei regulando a comissão e outorgando aos membros da comissão mandatos. Isto não existe”, afirmou. “(Os membros) Colaboram a partir do momento da nomeação por até três anos. Mas podem ser substituídos a qualquer tempo. O novo presidente pode revogar e integrar outros membros.”
Saiba mais
O Estadão entrou em contato com os indicados para saber mais detalhes sobre a nomeação. Bruno Espiñeira Lemos disse encarar a missão como sendo da mais alta relevância para o País e se sentir honrado com a escolha do presidente.
Questionado sobre sua participação no Grupo Técnico de Transparência, Integridade e Controle, na equipe de transição, Espiñeira afirmou que não há nenhum constrangimento para sua nomeação, já que a participação no grupo era eminentemente técnica.
A desembargadora aposentada do TJSP Kenarik Boujikian disse que prefere se manifestar após a posse. Até a publicação desta reportagem, o advogado Manoel Caetano Ferreira Filho não havia sido localizado.
Veja mais detalhes sobre os indicados:
Kenarik Boujikian: Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Keranik Boujikian nasceu na Síria em uma família armênia e veio para o Brasil com três anos de idade. Atuou como procuradora do Estado de São Paulo. É membro do Conselho da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado e consultora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.
Bruno Espiñeira Lemos: Advogado criminalista, compôs a transição do governo de Lula no Grupo Técnico de Transparência, Integridade e Controle. Defendeu o ex-ministro da Casa Civil Jaques Wagner (PT), em investigação que apurava suspeitas envolvendo obras da Arena Fonte Nova, na Bahia. É presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal, no Distrito Federal, e procurador do Estado da Bahia, também em Brasília.
Manoel Caetano Ferreira Filho: Jurista, foi advogado de Lula em ações da Lava Jato. Na época em que o petista ficou preso, em Curitiba, frequentemente fazia visitas ao petista para atualizá-lo sobre o andamento dos processos.
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