Lula libera R$ 1 bi no dia do arcabouço; deputados admitem votar por verbas: ‘Pelo Brasil, né?’

Governo libera pagamento recorde de emendas em um único dia do ano e abre o caixa do extinto orçamento secreto após negociar a primeira vitória no Congresso; ‘Estadão’ flagra deputados do baixo clero dizendo que só votariam mediante liberação de emendas

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou R$ 1 bilhão em emendas parlamentares no dia da votação do arcabouço fiscal. Foi a maior liberação de recursos feita em um único dia do ano. Nas horas que antecederam a votação, o Estadão flagrou deputados reclamando da articulação política do Planalto e pedindo emendas e cargos no cafezinho da Câmara. “Pelo Brasil, né?”, afirmou o deputado Igor Timo (Podemos-MG), vice-líder do governo, dando uma gargalhada.

Presidente da Câmara, Arthur (PP-AL) articulou aprovação do novo arcabouço fiscal, primeira vitória de Lula no Congresso após série de derrotas Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

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A liberação atendeu deputados e senadores e foi feita às custas do Ministério da Saúde, responsável por 99% das liberações (empenhos, no jargão técnico) feitas na terça-feira, 23. Agora, o dinheiro (R$ 1,052 bilhão) está pronto para cair no caixa das prefeituras indicadas pelos congressistas. Os partidos mais beneficiados foram PT, MDB, PSD e União Brasil, que compõem a base do governo e ainda possuem integrantes insatisfeitos com o tratamento dado pelo Planalto ao Legislativo.

As emendas individuais são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a pagar conforme a indicação dos deputados e senadores. O Executivo tem, no entanto, controle sobre o momento da liberação. Além desses recursos carimbados, o governo Lula começou a liberar no mesmo dia recursos herdados do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que agora estão no guarda-chuva dos ministérios, mas ainda atendem a pedidos dos parlamentares.

Bastidores

Às 14h30 de terça-feira, horas antes da votação, deputados do baixo clero estavam ansiosos com o acordo que viria para a aprovação da nova regra fiscal. O acordo estava sendo negociado na residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com líderes partidários e interlocutores do Palácio do Planalto. Distante dali, no cafezinho do plenário da Câmara, que fica atrás do local onde ocorrem as votações, um grupo de deputados se juntou e pintou o retrato mais fiel de como funciona o Congresso.

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“O governo só mandou abacaxi para o Rio de Janeiro. Não tenho motivo para votar com esse governo sem que ele me ajude”, disse o deputado Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), queixando-se do tratamento dado pelo governo para ele até aquele momento.

Procurado pelo Estadão, o parlamentar repetiu a queixa. “O Rio de Janeiro precisa de muitos recursos e o governo precisa atender o nosso Estado. A gente faz política na política, e política se faz com o quê?”. Chiquinho Brazão votou a favor do projeto e foi contemplado com liberações no mesmo dia. Ele, porém, diz ter votado de acordo com sua convicção.

Na conversa flagrada pelo Estadão, Brazão reclamava de ter dado um “gesto” a Lula no fim do ano passado, ao votar favoravelmente à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, e ser pressionado a dar um novo “gesto” no arcabouço fiscal sem receber um sinal em troca. “Meu irmão, vamos começar a contaminar essa p. toda. Preciso de apoiadores na fala”, afirmou ele aos interlocutores, conclamando os colegas a não dar sossego para o governo no plenário a partir de agora.

Vamos começar a contaminar essa p. toda...Não tenho motivo para votar com esse governo sem que ele me ajude.”

Deputado Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ)

No momento em que Brazão falava, entrou na roda o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que logo percebeu o motivo da insatisfação. “O Celso tá cuidando lá. Isso tá se resolvendo”, disse. Celso é o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA), que também estava na roda. Ele é ligado a Lira e ao líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), favorito para ser o candidato do grupo à presidência da Casa em 2025. Esses parlamentares também votaram a favor do projeto.

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Na boca do caixa

Até o dia da votação, o governo Lula pagou R$ 4,7 bilhões em emendas parlamentares, de um total de R$ 36,5 bilhões previstos para o primeiro ano de mandato, incluindo recursos indicados individualmente pelos deputados e senadores, pelas bancadas estaduais e pelas comissões do Congresso. O valor inclui verbas do orçamento secreto negociadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que ainda não haviam sido pagas. Outra parte, que foi colocada no guarda-chuva dos ministérios após o STF derrubar o orçamento secreto, também começou a cair. De R$ 9,8 bilhões dessa parte, o governo liberou R$ 1,4 milhão para pagamento na terça-feira, sinalizando que as coisas vão começar a andar.

A promessa do governo e de Lira é que a distribuição de emendas do extinto orçamento secreto, agora repaginado, vai funcionar assim: Lira terá poder para captar recursos e fará uma divisão com os líderes partidários, que, por sua vez, serão responsáveis pelo rateio entre os parlamentares. Mas só recebe quem vota com o grupo.

Isso explica o resultado expressivo da votação, apesar de o governo não ter uma base de apoio consolidada: 372 votos a favor contra 108. “Agora estamos votando com compromisso”, disse Silvio Costa Filho na roda do cafezinho. “Pelo Brasil, né?”, emendou o deputado Igor Timo, dando a gargalhada em seguida.

Pelo Brasil, né?”

Deputado Igor Timo (Podemos-MG)

A Câmara aprovou o arcabouço fiscal. Mas tem casca de banana no projeto. O governo terá menos dinheiro para gastar do que queria em 2024. Além disso, terá de dividir o bolo com os parlamentares, ávidos por recursos em ano de eleições municipais. Lula terá de encaminhar um projeto de lei todos os anos se a arrecadação crescer e ele quiser gastar mais do que o permitido pelo projeto. Aos técnicos de plantão: se a inflação for maior do que a projetada inicialmente, precisará de um crédito adicional no Orçamento aprovado pelo Congresso. Traduzindo: faca no pescoço e necessidade de negociar constantemente com os deputados e senadores.

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As próximas “pegadinhas” virão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que define como o governo deve gastar e quem tem mais força no Orçamento: o Executivo ou o Congresso. O Centrão quer entregar a relatoria da proposta para o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). O PT de Lula, porém, briga pela relatoria para dar algum sossego para o governo, mas tudo indica que o grupo de Lira ficará com o projeto na mão.

“O caminho está dado. Agora mostramos que, se o governo quiser, ele consegue”, afirmou o deputado Washington Quaquá (PT-RJ), amigo de Lula e de bolsonaristas, ao sair do plenário depois da votação. O projeto agora passará pelo Senado, que também foi beneficiado pela liberação.

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