‘Lula precisa ser menos ingênuo’, diz entidade ligada à Ucrânia após falas de petista sobre guerra

Presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira afirma que Brasil precisa reiterar seu posicionamento de neutralidade à ONU; Lula afirmou que país invadido também é responsável pelo conflito e recebe chanceler russo nesta segunda

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Por Ana Luiza Antunes
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia causaram mal-estar dentro da comunidade ucraniana no Brasil. Lula afirmou neste domingo, 16, que o país ucraniano também é responsável pelo conflito iniciado em fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram o território da nação vizinha. Nos últimos meses, o petista já havia dito que a Rússia estava errada em invadir a Ucrânia, e negou enviar munições àquele país sob a justificativa de que o Brasil era “um país de paz.”

Em resposta, a entidade ucraniana divulgou um comunicado neste domingo, 16, em que manifesta preocupação com a visita de Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia, ao Brasil, e pede que o governo brasileiro “não traia” as esperanças dos brasileiros descendentes de ucranianos que moram no País. “Mais de 600 mil brasileiros são descendentes de ucranianos e esperam que o Brasil não traia as suas esperanças”, cita o texto.

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“Essa visita se dá em contexto em que o ministro Sergey Lavrov representa um país agressor de outro país soberano, violando o art. 2. da Carta das Nações Unidas”, diz o texto. “O Brasil e seu governo defendem a democracia, a pluralidade partidária, a liberdade religiosa, a liberdade de organização e manifestação e tem o dever de defender esses valores universais para sua aplicação não só no Brasil, como também na Rússia.”

Ao Estadão, o presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitório Sorotiuk, reiterou que é possível deduzir, a partir da fala de Lula, que há um desconhecimento geral no Brasil sobre as relações históricas entre Rússia e Ucrânia. Segundo ele, é contraditório que Lula expresse esse posicionamento ao mesmo tempo em que já se colocou contrário à invasão russa à Ucrânia, e comenta que o discurso do petista pode trazer dificuldades para ele na busca pela formação do chamado “clube da paz”.

A entidade ucraniana congrega as associações e sociedades civis e religiosas, no qual representam cerca de 600.000 descendentes de ucranianos brasileiros. Trata-se de um entidade civil que defende os interesses de cidadãos de origem ucraniana e visa manter o patrimônio físico, cultural e social da comunidade.

Equipes de resgate e bombeiros trabalham no local de um albergue destruído depois de um ataque com mísseis na segunda maior cidade ucraniana de Kharkiv. Foto: Sergey Bobok/AFP

“Se ele quer ser imparcial e lutar pela paz na Ucrânia, ele tem de ter menos ingenuidade em relação à Rússia porque é um país que, tradicionalmente, não respeita acordos internacionais”, pontua. Nesta segunda-feira pela manhã, 17, o chanceler russo Sergey Lavrov participará de reuniões com o Itamaraty, em Brasília, e será recebido por Lula à tarde.

Apesar de o órgão ter destacado que o encontro tratará do conflito na Ucrânia, Sorotiuk vê com desconfiança essa recepção do governo Lula à Rússia. “Lavrov não tem sido o mensageiro da paz, ele tem sido o mensageiro da guerra”, enfatiza. “Não acredito que sejam interlocutor sério para conversar sobre paz.”

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Para o presidente da entidade, o Brasil precisa reafirmar o voto feito à Organização das Nações Unidas (ONU), quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que pede a retirada das tropas russas da Ucrânia e o País apoiou o texto na ocasião. “O Brasil é livre de manter relações econômicas com a Rússia. Não há nada demais em conversar com os russos, mas o que ele tem que reafirmar é o seu voto dado à ONU e aquela primeira afirmação de que a Rússia estava errada.”

Leia a nota na íntegra:

Na segunda-feira, dia 17/04/2023, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, diplomata Mauro Vieira, recebe no Itamaraty o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.

O Brasil mantém relações diplomáticas com a Rússia e é natural receber o ministro de Relações Exteriores de um país com o qual se mantém relações. Porém, essa visita se dá em contexto em que o ministro Sergey Lavrov representa um país agressor de outro país soberano, violando o art. 2. da Carta das Nações Unidas.

O Ministro Lavrov representa o seu presidente, Vladimir Putin, que tem um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional por sequestrar crianças ucranianas do território da Ucrânia e levá-las para a Rússia.

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O Brasil reconhece e votou por condenar essa agressão e deve reiterar que as tropas russas se retirem do território ucraniano. A Rússia cometeu, contra a Ucrânia, o crime de agressão; seus soldados e autoridades cometeram crimes de guerra, crimes contra a humanidade e de genocídio em Bucha, Irpin, Borodyanka, Mariupol e tantos outros lugares.

O Brasil e seu governo defendem a democracia, a pluralidade partidária, a liberdade religiosa, a liberdade de organização e manifestação e tem o dever de defender esses valores universais para sua aplicação não só no Brasil, como também na Rússia.

O Brasil deve exigir que a Rússia retire suas tropas da Ucrânia, pois as relações internacionais devem se dar na boa-fé, no reconhecimento dos tratados que assinou, como o Mémorandum de Budapeste, no qual a Ucrânia renunciou o seu arsenal nuclear em troca da garantia de suas fronteiras, território e soberania.

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É positivo que o Brasil busque e interceda pela paz, mas o único que tem autoridade para falar sobre as condições da paz e sobre a integridade do seu território é o povo ucraniano e seu governo. Mais de 600 mil brasileiros são descendentes de ucranianos e esperam que o Brasil não traia as suas esperanças, e o governo brasileiro cumpra integralmente com o artigo 4 de sua Constituição Federal.

O corpo, a alma e o sangue da Ucrânia integram o Brasil e espera-se do governo brasileiro a sua correspondência. A Ucrânia já apresentou ao governo brasileiro a plataforma de 10 pontos para a paz e a comunidade ucraniana brasileira espera, como integrante do povo brasileiro, o apoio de seu governo.

Vitório Sorotiuk

Presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira