ENVIADO ESPECIAL/PEQUIM E SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou ontem sua visita oficial à China. A viagem serviu para reforçar laços econômicos do Brasil com seu maior parceiro comercial e, ao mesmo tempo, foi usada pelo petista para salientar uma política externa associada a uma nova orientação internacional e multipolar. Nos três dias da agenda de Lula em Xangai e Pequim, o presidente brasileiro ressaltou a tradição da diplomacia de neutralidade do País, mas fez gestos de alinhamento com pautas importantes da diretriz externa chinesa.
No ponto alto do encontro, Lula participou ontem de uma reunião fechada com o presidente da China, Xi Jinping. Eles assinaram 15 acordos bilaterais. Entre eles está a criação de mecanismos para a facilitação do comércio entre os dois países, assim como para o desenvolvimento da pesquisa e da inovação, além de memorandos em outros setores.
Um protocolo conjunto determina sobre o desenvolvimento do satélite sino-brasileiro de recursos terrestres CBERS-6. O satélite será usado para monitorar o desmatamento na Amazônia e em outros biomas. Outro memorando trata do entendimento sobre requisitos sanitários e de quarentena para carne a ser exportada do Brasil para a China.
No encontro com Xi Jinping, Lula disse que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore suas relações” com o país asiático. Ele afirmou ainda que a visita à gigante chinesa de tecnologia Huawei, anteontem em Xangai, foi uma demonstração de que o Brasil “quer dizer ao mundo que não tem preconceito” nas relações comerciais.
A Huawei foi acusada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump de fazer espionagem e o governo americano pressionou Brasília para não adotar a tecnologia 5G da empresa chinesa.
Um dos memorandos prevê parceria em temas como tecnologias de comunicação sem fio, computação em nuvem, big data, inteligência artificial, internet das coisas e tecnologias para indústria.
Lula inaugurou sua visita oficial com uma defesa do uso de moedas locais no comércio entre países integrantes dos Brics (sigla formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esta é uma estratégia que marca a política externa e financeira do país asiático: a redução da dependência da moeda americana e o aumento da circulação do yuan.
Manifestação conjunta dos dois países divulgada ontem informa que o Brasil reiterou aderir “firmemente ao princípio de uma só China”, destacando que “Taiwan é uma parte inseparável do território chinês”.
‘Lado’ Para o pesquisador Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o tom do presidente brasileiro “foi algumas oitavas acima do necessário”. “Achei o tom do presidente Lula um pouquinho mais agressivo do que o necessário. O perigo é ser malcompreendido no sentido de parecer que está tomando um lado”, afirmou.
Analistas internacionais viram a assinatura de acordos como importante sinalização de incremento do comércio bilateral – que possa substituir a atual ênfase em produtos de baixo valor agregado –, mas sem efeito imediato.
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“Sinaliza a importância da China. Não vejo uma grande novidade. É importante ver se isso se transforma efetivamente em algo. O grande interesse brasileiro é a China investindo principalmente aqui em infraestrutura”, afirmou Lia Valls, também do Ibre-FGV.
Lula e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, chegaram ao Grande Palácio do Povo em Pequim e receberam as boas-vindas de Xi Jinping. A recepção ocorreu a céu aberto, na praça em frente ao palácio, ao lado da Praça da Paz Celestial. O líder chinês afirmou que Brasil e China são os maiores expoentes dos países em expansão no mundo. “São os maiores países em desenvolvimento e importantes mercados emergentes dos dois hemisférios. Temos interesses em comum.”
Na avaliação de Hussein Kalout, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o encontro “imprime um novo dinamismo econômico e comercial às relações bilaterais entre os dois países” e “recoloca a diplomacia presidencial no coração da política externa”. “Na visão de Lula, a organização da ordem internacional sob uma matriz geopolítica multipolar é um imperativo necessário para o equilíbrio e a distribuição de poder nas relações internacionais”, disse.
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