O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resgatou a retórica do “nós contra eles” ao atacar o PSDB e afirmar que o partido “acabou”. Para petistas, a declaração – mais uma na série das polêmicas recentes – abala a tentativa de aproximação para construir uma base de apoio político mais ampla no embate com o presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula chegou a recuar, mas o PSDB afirmou que o ex-presidente dissemina o ódio.
Reservadamente, petistas e aliados afirmaram que houve equívoco. No entanto, quando questionados, minimizaram o impacto da declaração e disseram que o diálogo entre as legendas, sobretudo com quadros históricos do PSDB, não está interditado. Segundo tucanos, o episódio dá combustível para que alas antipetistas que flertam com o bolsonarismo vetem uma eventual aliança mais para frente.
“Um senador do PFL disse uma vez que era preciso acabar com a ‘desgraça do PT’, o Jorge Bornhausen. O PFL acabou. Agora, quem acabou foi o PSDB”, afirmou Lula, durante ato no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), em São Paulo. Rodeado de simpatizantes, o petista lançou nesta terça-feira, 31, o livro Querido Lula: cartas a um presidente na prisão.
Lula tentou nesta quarta-feira, 1º, contornar a própria declaração. Em Porto Alegre, em evento de pré-campanha ao lado do ex-tucano Geraldo Alckmin, agora seu vice, elogiou o PSDB. “Eu já disse para o Alckmin: ‘Como este País era feliz quando a polarização era entre PT e PSDB’”, afirmou. “A transição que nós fizemos com Fernando Henrique Cardoso foi a transição mais civilizada que este País conheceu.”
‘História reescrita’
O estrago já estava feito. Após a tentativa de recuo de Lula, o PSDB afirmou que “não adianta querer reescrever a história”. “Foram anos de PT, Lula e Dilma semeando o ódio, perseguindo adversários, dividindo a sociedade e montando uma máquina de mentiras (hoje chamadas de fake news).” Mais cedo, o partido afirmou, em nota, que Lula “segue na hipocrisia procurando líderes tucanos”.
Como mostrou o Estadão, petistas e tucanos mantinham conversas para tratativas em um segundo turno. Até mesmo a participação de ministros e colaboradores tucanos foi aventada, em caso de vitória de Lula.
Entre os principais interlocutores estão Aloysio Nunes Ferreira – que declarou ao Estadão voto no petista já no primeiro turno –, José Aníbal, Marconi Perillo, Arthur Virgílio, Tasso Jereissati e Rodrigo Maia. “As pesquisas subiram à cabeça do Lula. O salto alto subiu junto. Lula resolveu decretar o fim do PSDB”, afirmou Aníbal, ex-senador por São Paulo.
Aloysio criticou a fala de Lula. “O diagnóstico não é correto para alguém que, como Lula, deseja ser um aglutinador de forças para enfrentar a extrema direita bolsonarista”, afirmou o ex-chanceler. “O PSDB está em fase de grande complexidade interna e declínio político, mas pode recobrar o vigor.” Apesar do reparo a Lula, ele disse que manterá o voto no petista no primeiro turno.
Aliados do PCdoB e do próprio PT afirmaram que Lula errou em relação aos tucanos, o que contraria a estratégia de ampliar o arco de alianças. “Obrigado, mas não desejo opinar sobre essa declaração”, disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira. Procurado, o presidente do PV, José Luiz Penna, também não quis se manifestar.
Um petista próximo do ex-presidente afirmou que o ataque era direcionado ao ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), que, na semana passada, desistiu de concorrer ao Planalto. De acordo com esse aliado de Lula, líderes mais antigos do PSDB teriam compreendido a crítica.
Agregador de pesquisas
‘Realidade política’, diz Gleisi
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse que o pré-candidato “apenas constatou o que é realidade política, o grande enfraquecimento do partido”. “Lula não atacou ou criticou o PSDB”, disse. Segundo ela, que também é deputada federal, “essa constatação não impede que se converse com lideranças históricas”.
Importante articulador da pré-campanha de Lula, o ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT), disse que “o diálogo e a boa relação com líderes do PSDB e líderes de variados partidos” serão mantidos.
Banqueiros
A semana também foi marcada por críticas de Lula a empresários. Na terça-feira, 31, pela manhã, o ex-presidente afirmou em entrevista à Rádio Bandeirantes que vai conversar com agentes do mercado no momento em que “tiver interesse”.
Mais tarde, houve nova ofensiva. “Banqueiro quer fazer reunião. Eu vou fazer muitas reuniões com banqueiro e empresário, mas eles nunca me perguntam como está o povo na rua, se está passando fome, como estão as pessoas abandonadas”, disse o petista durante lançamento do livro. Lula ainda atacou o teto de gastos - regra constitucional que limita o aumento das despesas públicas à inflação.
Como mostrou o Estadão, Lula tem fugido de sabatinas e jantares com menor controle sobre convidados para evitar ser questionado por rivais. Na avaliação do petista, a falta de um plano de governo pronto também faz com que não seja uma boa hora para esse tipo de escrutínio. No entanto, o ex-presidente tem buscado justamente banqueiros, empresários e executivos para agendas mais reservadas, a portas fechadas. Ao mesmo tempo, a apoiadores ele critica regras fiscais e a reforma trabalhista.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.