Lula sob pressão: 7 momentos em que o governo recuou de medidas e decisões

Além da revogação de portaria do Pix, governo Lula recuou sobre ‘taxa das blusinhas’, aborto, autonomia do Banco Central e desoneração da folha

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Foto do author Juliano  Galisi

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revogou nesta quarta-feira, 15, a portaria da Receita Federal que ampliava o monitoramento do Fisco em transações financeiras, incluindo o Pix e pagamentos por cartão de crédito.

O governo federal atribui a revogação à onda de informações falsas e distorcidas sobre o tema. Trata-se, de todo modo, de um recuo da gestão do petista, que tentou, nos últimos dias, desmentir a suposta taxação do Pix enquanto encampava o mérito da portaria.

Após onda de desinformação, governo Lula recua de portaria para ampliar monitoramento do pix e de pagamentos por cartão de crédito Foto: Wilton Junior/Estadão

Neste terceiro mandato na Presidência, iniciado em janeiro de 2023, Lula acumula recuos. Foi o caso da taxação de compras em e-commerces estrangeiros. O governo federal chegou a editar uma portaria para blindar uma eventual taxação das plataformas, mas chegou a um acordo com o Congresso meses depois para aprovar a medida.

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Lula também voltou atrás na comparação entre a guerra contra o Hamas e o Holocausto. O presidente citou o momento em que “Hitler resolveu matar os judeus”, mas alegou que não falou em “Holocausto”.

O governo também cedeu à pressão dos setores econômicos, como na desistência em indicar Guido Mantega a um cargo na Vale e na mudança de tom contra o Banco Central, e dos setores conservadores, ao recuar em medidas de desagrado de parlamentares bolsonaristas, como uma carteira de identidade mais inclusiva.

‘Taxa das blusinhas’

Durante o primeiro semestre de 2023, associações do setor varejista pressionaram o governo federal a taxar compras realizadas em plataformas como Shein, AliExpress e Shopee. Até então, importações de até 50 dólares entre pessoas físicas eram isentas de impostos federais.

As empresas brasileiras alegavam que os e-commerces estrangeiros fraudavam a norma mascarando, no país de origem, o verdadeiro remetente do item. As plataformas, por outro lado, diziam cumprir a legislação do Brasil.

A reivindicação dos varejistas nacionais ia ao encontro dos interesses do governo, que estabelecia, naquele momento, o ajuste das contas públicas e novos meios de arrecadação. Contudo, a possibilidade de taxação repercutiu mal e, em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo desistia da norma. Na ocasião, o ministro disse que o recuo atendia a um pedido pessoal de Lula.

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No segundo semestre, uma portaria da Fazenda blindou a isenção para compras de até 50 dólares, desde que as plataformas participassem de um programa da Receita Federal denominado Remessa Conforme.

No primeiro semestre de 2024, porém, o governo federal cedeu à pressão do varejo nacional e, em acordo com o Congresso, aprovou uma alíquota de 20% nas importações de até 50 dólares. A norma ficou conhecida como “taxa das blusinhas” e está em vigor desde junho do ano passado.

Comparação entre Israel e Holocausto

Em fevereiro de 2024, Lula comparou a incursão de Israel na Faixa de Gaza com o Holocausto. “O que está acontecendo em Gaza não aconteceu em nenhum outro momento histórico, só quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o presidente durante uma entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia. “Não é guerra, é genocídio”, completou.

A declaração provocou um incidente diplomático com Israel, que declararou o chefe do Executivo brasileiro “persona non grata”. Lula recuou da declaração sem se desculpar, alegando que não havia falado, explicitamente, em “Holocausto”. “Eu não disse a palavra ‘Holocausto’. Holocausto foi interpretação do primeiro-ministro de Israel. Não foi minha”, disse o presidente em entrevista à RedeTV.

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Campos de ‘sexo’ e ‘nome’ da nova identidade

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Em maio de 2023, o governo federal anunciou o novo documento identificador dos brasileiros. O Registro Geral (RG) será substituído pela Carteira de Identidade Nacional (CIN) a partir de 2032. O primeiro modelo da CIN, conforme anunciado em 2023, não continha o campo referente ao sexo biológico do portador. Além disso, a versão anunciada da CIN só apresentava um único campo para o nome do portador, extinguindo os atuais campos do RG, que diferenciam o “nome de registro de civil”, imputado à pessoa ao nascer e, no caso de pessoas trans, o “nome social”.

O novo modelo de CIN atendia a uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF). Em novembro de 2022, o órgão publicou uma nota técnica sobre o tema. Segundo o MPF, a exposição do nome de registro no documento de identidade de uma pessoa trans configurava “flagrante violação do direito à autoidentificação”, além de abrir “perigoso precedente para a exposição vexatória de um nome que não representa a pessoa que se deseja identificar”.

Em dezembro de 2023, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, responsável pela norma, voltou atrás e manteve os campos de nome de registro e sexo. “O governo federal não reincluiu nenhum campo. Foram apenas mantidos os campos existentes”, afirmou em nota a pasta do governo Lula.

Guido Mantega na Vale

Em janeiro de 2024, Lula tentou emplacar Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda e aliado de longa data do petista, no Conselho de Administração da Vale, como revelou o Estadão. O presidente encampou nos bastidores o nome do aliado. Apesar de a Vale ter mais de 90% de seu capital privado, a ideia do presidente era fazer a indicação por meio da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que é acionista da mineradora.

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Guido Mantega foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e titular da Fazenda durante governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2015) Foto: Celso Junior/Estadão

A informação despertou forte reação no mercado financeiro e, entre janeiro e março de 2024, a Vale perdeu R$ 48,3 bilhões em valor de mercado, segundo cálculo de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.

O governo federal desistiu da indicação de Mantega e a sucessão da Vale ficou a cargo do Conselho de Administração. Gustavo Pimenta está à frente da empresa desde outubro de 2024.

Autonomia do Banco Central

Em janeiro de 2023, nas primeiras semanas de seu terceiro mandato, Lula criticou a autonomia do Banco Central. Durante uma entrevista à GloboNews em 18 de janeiro, o presidente afirmou que a independência da instituição era uma “bobagem”. “Nesse País, se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que ia melhorar o quê? Eu posso dizer com a minha experiência: é uma bobagem”, afirmou.

Lula voltou a criticar a autonomia do BC ao dizer que não era “correto” governar o País com um presidente da instituição não escolhido por ele. “Como pode o presidente da República ganhar as eleições e, depois, não poder indicar o presidente do Banco Central? Ou, se indica, ele tem uma data. Estou há dois anos com o presidente do Banco Central do Bolsonaro. Então, não é correto isso”, afirmou Lula, criticando Roberto Campos Neto.

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Em dezembro de 2024, após a aprovação, pelo Senado, da indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do BC, Lula recuou das críticas e elogiou o novo presidente exaltando a independência da autarquia. “Você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”, disse Lula.

Desoneração da folha de pagamentos

Em fevereiro de 2024, Lula revogou o trecho da medida provisória que reonerava 17 setores da economia. As áreas voltaram a contar com a desoneração da folha de pagamento, um mecanismo que reduz encargos trabalhistas até o ano de 2027.

Lula recuou e contrariou a posição defendida por sua equipe econômica, que receava o impacto da medida na arrecadação do governo federal.

Nota técnica sobre aborto

Em fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica para orientar serviços de saúde sobre a realização de abortos nos casos previstos em lei, como risco à vida da mãe, estupro e anencefalia.

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O documento revogava uma norma editada pela pasta em 2022, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que dificultava o acesso ao aborto legal ao estabelecer que procedimentos do gênero só poderiam ser realizados até 21 semanas de gestão. A norma editada pelo governo Lula alegava que não havia respaldo para o limite estabelecido nem na legislação nem na ciência.

A nota foi alvo de críticas de setores conservadores do Congresso e acabou revogada pela ministra Nísia Trindade. A pasta alegou que o documento foi divulgado sem passar por todo o trâmite de consultoria e revisão.

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