Uma rápida observação das curvas de intenção de voto do ex-presidente Lula já é suficiente para mostrar a resiliência do apoio ao petista na corrida presidencial. A comparação com o tamanho das primeiras forças em anos anteriores sugere que Lula está muito próximo do teto histórico. O presidente Bolsonaro, por exemplo, teve 46% de votos válidos em 2018.
Assim, o desafio da campanha do petista é basicamente trazer algo novo para o eleitorado. Esse senso de urgência foi reforçado diante das incertezas associadas ao calendário eleitoral, a partir das contestações do presidente em relação a urna eletrônica. A leitura é que eventual vitória em primeiro turno suavizaria potencial transição.
Curiosamente, o ex-presidente fundamentalmente recorre ao passado para trazer o novo. Lula usa sua experiência anterior ao governo como fiadora do seu comportamento futuro, a despeito do antipetismo alimentado justamente pelo histórico do partido no governo e, especialmente, diante das novidades dos desafios conjunturais.
A sabatina do petista no Jornal Nacional abriu espaço para os três temas que machucam a imagem de Lula para o público fora da bolha petista: corrupção, “legado Dilma” e radicalização à esquerda. Orçamento secreto, críticas diretas a algumas escolhas de Dilma e autodeterminação dos povos foram os principais ingredientes das respostas.
O petista reforçou na sabatina o que parece ser o seu tripé para sua agenda econômica: “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”. Se os princípios pouco dizem sobre o conteúdo das propostas à luz dos desafios contemporâneos, apontam a opção por uma agenda de mudanças negociadas.
Uma outra parte da estratégia de contenção de riscos envolveu uma variável política: a escolha do vice. Ao citar Alckmin, Lula fez referências aos “dois eu vão governar o país”, reforçando a importância do ex-tucano na busca desse novo eleitor e, especialmente, na construção da governabilidade em um eventual novo mandato. Se a chave para o entendimento do que seria um novo mandato passa pela capacidade do petista recuperar o protagonismo do governo na definição da agenda, após o protagonismo do Centrão na atual administração.
A sabatina foi relevante para apresentar a reação do candidato aos temas que irão condicionar possível movimento de voto útil. A entrevista deve ajudar na cristalização da intenção de voto no petista e inaugura o processo de busca do voto na oposição não petista.
RAFAEL CORTEZ É SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA (USP)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.