“Lula tem governo sem projeto e será refém de Lira”, diz ex-senador Arthur Virgílio

Virgílio avalia que a falta de uma maioria parlamentar, baseada em programas de governo, coloca o governo no mesmo caminho do mensalão

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Foto do author Daniel Haidar
Atualização:
Entrevista comArthur VirgílioEx-senador, ex-deputado e ex-prefeito de Manaus

BRASÍLIA - Ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, ex-senador, ex-deputado federal e ex-prefeito de Manaus (AM), Arthur Virgílio (sem partido) avalia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será refém do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

“O problema básico do governo Lula é que ele tem um governo sem nenhum projeto. Vai ser refém do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira”, afirma Virgílio em entrevista ao Estadão.

Pressionado por dificuldades de articulação política no Congresso, Lula deve trocar nos próximos dias o comando do Ministério do Turismo, com menos de seis meses de governo. Isso porque a bancada do União Brasil na Câmara cobrou a troca do comando da pasta e da Embratur, como condição para entregar mais votos em projetos de interesse do PT.

Na reunião ministerial da última quinta-feira, 15, Lula cobrou dos ministros mais empenho para apaziguar os ânimos com o Centrão, comandado na prática por Lira. Lula quer mais rapidez na entrega de cargos e emendas parlamentares para conseguir apoio no Congresso.

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Desfiliado desde o fim do ano passado do PSDB, onde ficou por 34 anos, Virgílio avalia que a falta de uma maioria parlamentar baseada em programas de governo coloca o governo Lula no mesmo caminho que levou ao “mensalão”. No escândalo, o ex-ministro José Dirceu e parte da cúpula do PT foram condenados por corromper parlamentares em troca de apoio político no Congresso.

“Como ele não tem projetos, então é obrigado a conversar em outros termos com os parlamentares. E foi assim que aconteceu a esparrela do mensalão, com Roberto Jefferson, Lula e Valdemar Costa Neto”, afirmou.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o senhor vê as dificuldades do governo Lula na Câmara dos Deputados?

O problema básico do governo Lula é que é um governo sem nenhum projeto. Vai ser refém do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O caráter não mudou, mas Lula em 2003 era uma águia, enquanto hoje vive de ilusões. Fernando Henrique Cardoso tinha um projeto de acabar com a hiperinflação e modernizar a economia do país através de reformas estruturais. Lula não tem um carro-chefe. Como ele não tem projetos, então é obrigado a conversar em outros termos com os parlamentares. E foi assim que aconteceu a esparrela do mensalão, com Roberto Jefferson, Lula e Valdemar Costa Neto. A cara do Fernando Henrique foi o Plano Real. Então deputados se aproximaram do Fernando Henrique simplesmente porque acreditavam no projeto. Chegamos a ter uma maioria forte no Congresso. Não havia essas emendas escatológicas, como orçamento secreto. Eu dizia ao presidente que a gente devia distribuir emendas, mas que devíamos contemplar também os mais aguerridos do PT. Então há uma diferença entre governo com projeto, mesmo com dificuldades, e governo sem projeto.

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E por que a dependência do Lira?

Não conheço o Arthur Lira pessoalmente, mas suponho que não esteja nada feliz. Meu feeling é que Lira vai fazer uma revanche. Acho que ainda não fez. Lira é muito querido pelos deputados, porque se parece muito com a média do Parlamento. Perdendo ou ganhando, ele é extremamente influente. Lira talvez seja menos erudito do que o Eduardo Cunha, mas talvez mais esperto. Acho que ele conseguiu fazer um poder próprio. Ofender o Lira ofende um monte de deputados. Se ofendesse o Cunha, não acontecia isso. Estamos em um momento parecido ao que elegeu Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara (em 2005). De um lado, há um clima político com tempo muito fechado. Se você não tem projeto e não constrói credibilidade com a maioria do Parlamento, acaba tendo que fazer o que o Carlos Sardenberg chamou de maiorias compradas. Fui líder do Fernando Henrique no Congresso por duas vezes e ministro da Secretaria-Geral da Presidência, e procurava transitar na oposição e dar atenção enorme. Em hora de votação, eu dava preferência para o pessoal de oposição.

Como o senhor vê os resultados dos seis primeiros meses do novo governo Lula?

Estou muito preocupado com os rumos que se tomam. O instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é arma das oposições e ele conseguiu anular essa arma. Lula prostituiu esse instrumento da minoria, o que é absolutamente antidemocrático, e quer controlá-las. A CPMI (dos atos golpistas de 8 de janeiro) só convoca adversários e deixou de convocar o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (Marco Edson Gonçalves Dias), o G. Dias. Não vai ser convocado o cara que deu água para os insurgentes. É uma confissão de culpa o governo Lula não querer que pessoas dele sejam ouvidas. Um cara que tem contato permanente com GSI e Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) não pode não saber do que está acontecendo. Outra coisa que atrapalha governo é julgar que Brasil tem peso acima do que tem. O Brasil está com a diplomacia escangalhada. Falam que são defensores dos índios e acabaram de morrer centenas de índios Yanomami. Para fora, quer bancar o pai do meio ambiente. Como vão acreditar que ele é capaz de resolver a questão da Amazônia se ele não consegue deter as queimadas e o desmatamento?

E nesse cenário como ficou o futuro político do ex-presidente Jair Bolsonaro?

A impressão que me passa é que ele está bastante ciente de que vai ser declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Minha opinião é que isso vai acontecer. Mas se isso é inteligente ou não? Considero uma burrice atroz. Você não forja mártires. Se você tem um adversário, tem que evitar que ele vire mártir. Senão ele indica uma pessoa forte e o time dele ganha de roldana a eleição. Quero abrir um parêntese para falar que torço pela transformação da Policia Federal em um órgão autônomo. Porque hoje ela faz o que quem está nela manda fazer.

Por que o senhor reclamou da cassação do mandato do ex-deputado Deltan Dallagnol?

A Operação Lava Jato cometeu erros, mas deixou exemplo bom de incutir em muita gente o horror à corrupção. Isso ninguém tira do Deltan e do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). Não achei legal a cassação do Deltan. Deputado tem que ser cassado pelo plenário da Casa. E teve aquele fingimento de levar para a Mesa Diretora. Cadê a imunidade parlamentar? Houve dureza com Lula? Não houve. E agora vão querer cassar o mandato do Moro. Quando estou tentando defender o Deltan, estou tentando defender a mim também e a todo mundo que enfrenta esse pessoal. A defesa do Moro tem que começar cedo. Tem que manter a altivez, manter críticas e contar que vai ter gente ao lado dele. O Congresso está fraco, fragilizado, no jogo da independência dos poderes. Tem um Executivo que parece isento, santo. E tem um Judiciário que está hipertrofiado.

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O Legislativo tem instrumentos de controle ao Judiciário. Por que faz essa crítica?

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Vejo muito frágil a reação do Congresso. Vejo pouca gente botar dedo na ferida. Por exemplo, a indicação do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, é a desmoralização do Supremo Tribunal Federal (STF), do próprio Lula, mas vai passar no Senado. Já dei o exemplo do advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, que recusou ser nomeado ao Supremo pelo presidente Juscelino Kubitschek porque já tinha sido advogado dele lá atrás. E Sobral Pinto seria um ótimo e justo ministro do STF.

E por que defender bolsonaristas que estão sendo acusados de atentar contra o Estado Democrático de Direito?

Eu defenderia um petista se fosse o caso, por direitos. O ex-deputado Daniel Silveira fez algo tão grave ao ponto de estar preso até hoje? E os presos de 8 de janeiro que estão presos até hoje? Aquilo não está certo. A questão para mim não é Bolsonaro ou Lula. Eu não gosto do modo do comportamento do Daniel Silveira. Ele não teve compostura de um parlamentar. Mas que coisa é essa de manter ele encarcerado esse tempo todo?

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