Lula tenta contornar ‘petrolão’ com novo discurso sobre Petrobras

Para especialistas, retórica do petista a respeito da estatal em entrevistas e nas redes sociais parte de propostas inviáveis

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Foto do author Rayanderson Guerra
Por Rayanderson Guerra e Vinícius Neder
Atualização:

Pré-candidato do PT ao Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta contornar os escândalos revelados pela Operação Lava Jato com um novo discurso para a Petrobras. O petista já citou a estatal em pelo menos 20 postagens no Twitter desde 2021 – quando recuperou o direito de se candidatar após a anulação da condenação por corrupção e lavagem de dinheiro –, fez inserções na TV com a proposta de “abrasileirar” os preços dos combustíveis e, em discursos, explora a versão de que a empresa precisa se recuperar e se voltar ao desenvolvimento.

Com o litro da gasolina acima de R$ 7 na média nacional, os combustíveis foram assunto no Twitter em oito manifestações do petista, que, no sábado passado, oficializou a aliança com Geraldo Alckmin (PSB) na vice. Nelas, Lula defende a mudança da política de preços, o que a descolaria das cotações internacionais do petróleo – o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI).

O foco de Lula na política de preços de combustíveis, no entanto, é uma forma de desviar a discussão sobre as acusações de pilhagem na estatal na era petista. Foto: Werther Santana/Estadão

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Especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, avaliam que será difícil impor qualquer controle. Os motivos são o custo elevado da medida e o risco de desabastecimento do mercado. O problema ainda se agravou com a guerra na Ucrânia, iniciada há dois meses. O conflito tem pressionado as cotações internacionais do óleo cru e ajudam a perenizar os preços dos derivados no Brasil em níveis altos.

Atreladas desde o governo Michel Temer (agosto de 2016 a 2019) aos preços internacionais do petróleo e à variação do dólar, as cotações do óleo diesel, da gasolina e do gás de cozinha transformaram-se em motores da inflação e inspiram promessas eleitorais. No entanto, a mudança na política rendeu mais de R$ 100 bilhões de lucro para a estatal em 2021 – R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Boa parte do dinheiro volta à União, uma vez que o governo é o maior acionista da empresa.

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O foco de Lula na política de preços de combustíveis, no entanto, é uma forma de desviar a discussão sobre as acusações de pilhagem na estatal na era petista (2003-2016). Nesse período, a Petrobras ficou marcada pelos esquemas de pagamentos de propinas a diretores e desvios de recursos para abastecer caixas de partidos políticos, um “esqueleto” que deve ser lembrado na campanha eleitoral. O ataque de Lula ao PPI, assim como faz o presidente Jair Bolsonaro (PL), seguirá firme na campanha, segundo aliados, uma vez que o PT pretende explorar as dificuldades sociais e econômicas atuais do País.

No 1.º de Maio, Lula disse ainda que era preciso “recuperar a Petrobras” e, no lançamento da pré-candidatura com Alckmin, afirmou que a empresa “vem sendo desmantelada dia após dia”, sem citar os anos de prejuízos bilionários da companhia no governo Dilma Rousseff (mais informações no infográfico). O discurso vai mirar a Lava Jato, que revelou os desmandos na empresa, e culpar a operação de tentar destruir a Petrobras.

A petroleiros do Rio de Janeiro, há cerca de um mês, Lula disse que uma elite brasileira com “complexo de vira-latas” compactuou com esse movimento. Na comunicação da campanha, apesar das primeiras inserções na televisão com citação aos preços, ainda não foi discutido como absorver nas peças publicitárias a mensagem do petista da suposta destruição da Petrobras pela força-tarefa de combate à corrupção.

O discurso mais recente de Lula sobre a Petrobras teve como foco os preços dos combustíveis, que pressionam o bolso dos eleitores. Sua comparação com a visão de especialistas no setor de petróleo aponta possíveis dificuldades para uma futura política energética. Confira a avaliação sobre as principais declarações do petista:

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‘ABRASILEIRAR’

Até especialistas que são críticos da política da Petrobras reconhecem que pode ser inviável modificá-la no curto prazo. Isso porque, com essa política, a participação das importações no mercado nacional de combustíveis vem crescendo desde 2016.

Hoje, pouco menos de 400 empresas importadoras respondem por cerca de 30% dos derivados vendidos no País. Como os importadores trabalham com os preços internacionais, quando a Petrobras vende os derivados a preços muito mais baixos nas suas refinarias, a importação pode se tornar um mau negócio.

Só que, no curto prazo, não tem como a petroleira estatal suprir os 30% do mercado que vêm da importação. Haveria risco de faltar gasolina e diesel nos postos, já que não seria vantajoso para os importadores vender combustíveis no Brasil.

‘INTERESSES’

Há, sim, razões técnicas e político-econômicas para a internacionalização de preços da Petrobras, embora a decisão de fazê-lo seja política. Além do risco de desabastecimento do mercado de combustíveis, regras de governança introduzidas na petroleira nos últimos anos e o “fracasso” da tentativa de controle de preços de combustíveis no governo Dilma são citados como entraves para novas propostas nesse sentido.

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Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), destacou que simplesmente congelar os preços da Petrobras resulta em prejuízos para a estatal. Nessa hipótese, a empresa se desorganiza financeiramente. Também perde capacidade de investir, como ocorreu entre 2011 e 2016. Isso acaba se refletindo na capacidade da empresa produzir mais petróleo.

‘DOLARIZADO’

Para Armando Castelar, o “fracasso” recente do governo em adotar alguma forma de controle de preços já “enfraquece” eventuais propostas de mudança na próxima gestão. Isso vale tanto em um segundo mandato de Bolsonaro – que também tem reclamado dos preços da estatal –, seja em um eventual governo de Lula ou de outro candidato.

A solução, porém, não será imediata. Ao lado da política do PPI, desde 2016, como parte da estratégia para sanear a Petrobras financeiramente e reduzir sua dívida, as gestões da estatal deixaram de lado os investimentos na produção de combustíveis e focaram a extração de petróleo bruto, especialmente da camada pré-sal, com foco nas exportações.

‘REFINO’

A questão é um pouco mais complexa do que isso e envolve mudanças econômicas e políticas. Para o professor Edmar Almeida, do Instituto de Energia da PUC-Rio, e Armando Castelar, a geopolítica do petróleo está mudando por causa da transição energética rumo a uma economia de baixo carbono.

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Investimentos em inovação na eletrificação dos transportes e no desenvolvimento de combustíveis renováveis se tornam mais importantes, para o crescimento econômico e a geração de empregos, do que produzir gasolina e diesel localmente. Nesse quadro, extrair e exportar o petróleo do pré-sal o mais rapidamente possível, e direcionar esses recursos para novas tecnologias, pode ser mais “estratégico” do que produzir gasolina e diesel.

‘A SERVIÇO DO POVO’

Nós precisamos fazer com que a Petrobras volte a ser uma grande empresa nacional, uma das maiores do mundo. Colocá-la de novo a serviço do povo brasileiro e não dos grandes acionistas estrangeiros

(Lula, 7 de maio, no discurso de oficialização da pré-candidatura)

De acordo com a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Lula busca retomar o discurso de que a Petrobras é um bem nacional que cresceu durante os governos petistas. “Os casos envolvendo corrupção nos governos de Lula e Dilma voltarão ao centro do debate político durante a campanha. É o tema que os adversários tentarão colar na campanha dele, numa tentativa de recriar o ambiente de 2018″, disse. No entanto, para ela, o sentimento antipetista é menor hoje, o que levará os adversários a ampliarem o discurso. /COLABORARAM BEATRIZ BULLA E LUIZ VASSALLO

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